O sacerdote, tanto no Antigo Testamento (AT) quanto no Novo Testamento (NT) é essencialmente aquele que oferece o sacrifício. Mas o que é o sacrifício, e o que é o sacerdócio?
O sacrifício consiste basicamente na apresentação a Deus em holocausto de uma vítima pelo sacerdote. A maneira mais encontrada de se referir ao sacrifício, no AT, é a menção do sangue da vítima. O sangue da vítima apresenta propriedades especiais de purificação, sendo usado para a purificação daqueles que pecaram, para certas práticas divinatórias, etc.
Assim podemos afirmar que uma característica marcante do sacrifício é a separação do sangue e do corpo da vítima sacrificial. (1)
Tanto no AT quanto no NT encontramos três tipos de sacerdotes, cujos encargos são diferentes, e cujos sacrifícios, como não poderia deixar de ser, são de tipos diversos.
O grau mais alto do sacerdócio é o ofício do Sumo-Sacerdote, do primeiro dentre todos os sacerdotes. Ele é o centralizador do culto e é sob sua tutela que o culto é realizado. No AT esta função é dada por Deus a Aarão (2) ; chamamos por isso os sacerdotes judeus de sacerdotes aaronitas.
O grau intermediário do sacerdócio é o sacerdócio ministerial. No AT este sacerdócio é o encargo dos filhos de Aarão (3) e, em grau inferior, dos levitas, encarregados dos encargos subordinados ao sacerdócio, mas não sendo capazes de oferecer sacrifícios (ou seja, sacerdotes).
Antes da elevação de Aarão ao sumo-sacerdócio e de seus filhos ao sacerdócio ministerial, havia contudo o sacerdócio ministerial realizado pelos primogênitos, o que é atestado pela troca que é feita a mando de Deus entre os primogênitos de cada família e os levitas, que passam a ser propriedade de Deus.
O grau mais comum do sacerdócio é o sacerdócio universal, comum a todos os fiéis. Assim, o povo judeu foi constituído por Deus um povo de sacerdotes. (4)
No AT encontramos ainda a figura de Melquisedeque, o Rei Justo de Salém. Melquisedeque é um personagem interessantíssimo, sem pai, sem mãe, sem nenhuma explicação oferecida de sua origem. Ele, entretanto, é sacerdote do Deus Altíssimo, e Abraão paga o dízimo a ele. Sabemos, portanto, que Melquisedeque é superior a Abraão.
Mas como isso se traduz à realidade de hoje, à Igreja estabelecida por Deus no NT?
Sem que isso seja muito surpreendente, encontramos muitos pontos em comum com a noção de sacerdócio no AT. O sacerdócio cristão também apresenta três formas básicas, sendo uma a do sumo-sacerdote, outra a do sacerdote ministerial e finalmente o sacerdócio comum a todos os fiéis.
A Sumo-Sacerdote da Igreja é Jesus Cristo. (5)
Os sacerdotes ministeriais são os ministros ordenados (6) (o diácono, o padre e o bispo – são apenas graus diferentes do mesmo sacerdócio, que é exercido integralmente pelo bispo e subordinadamente pelo diácono e pelo padre).
E o sacerdócio comum aos leigos também foi mantido (7). Somos um povo de reis, sacerdotes e profetas.
Podemos, entretanto, notar que o sacerdócio do NT não é em absoluto o mesmo sacerdócio do AT. O sacerdócio do AT era hereditário (passava de pai para filho(8)), enquanto o sacerdócio cristão é um ministério ordenado. Note-se que Aarão foi ungido sacerdote, mas seu sacerdócio foi transmitido diretamente aos seus descendentes.
O sacerdócio do NT é o sacerdócio de Melquisedeque. Como diz o salmo, "Tu es sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchisedec", és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque.
Mas a função do sacerdote ministerial continua sendo a mesma, embora muito mais bela e muito mais elevada: a apresentação do sacrifício.
O sacerdote cristão tem como sua principal função a apresentação do Sacrifício, do Sacrifício de Cristo na Cruz, que é novamente tornado presente na Santa Missa.
Igualmente a função do sacerdócio comum aos fiéis é ainda a mesma: somos chamados a nos tornar um sacrifício vivo, uma oferenda viva a Deus. (9)
As duas funções não se podem misturar, posto que se tratam de dois tipos radicalmente diferentes de sacerdócio. O sacerdote ministerial age em nome da comunidade, apresentando o Sacrifício a Deus. O sacerdote comum age em seu próprio nome, santificando-se de modo a se tornar uma hóstia viva e santa para O Senhor.
Muitas vezes hoje em dia vemos uma certa confusão entre muitos fiéis de boa vontade a respeito da necessidade e da diversidade essencial do sacerdócio ministerial. Levantam-se questionamentos nunca antes feitos, como a possibilidade de ordenar mulheres; muitos padres, em nome de uma teórica afirmação dos leigos, acabam por entregar a leigos funções que eles poderiam (e deveriam!) realizar. Um exemplo disso é o ministério do batismo ou do matrimônio, que podem ser realizados ou assistidos por leigos, mas que ainda assim competem em princípio ao sacerdote.
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1.O que nos é familiar na Liturgia eucarística; "Este é O Meu Corpo; este é O Meu Sangue". A separação entre corpo e sangue na frase traz imediatamente à mente o seu significado sacrificial, tornado ainda mais claro pelo vocabulário usado por Nosso Senhor para se referir à Eucaristia.
2.Ex 30,30
3.Ex 28,21
4.Ex 19,6
5.Hb 3,1
6.Rm 15,15-16; Tt 1,5; Tg 5,14…
7.1Pd 2,5ss
8.Os judeus de sobrenome Cohen são de dinastia sacerdotal, e são obrigados pela lei judaica a uma série de cuidados para evitar a impureza ritual. No ano passado foi descoberto por cientistas ingleses um gene especial dos cohanim (sacerdotes judeus), que está presente nos judeus de dinastia sacerdotal de todas as origens e aparências possíveis.
9. Rm 12,1
Carlos Ramalhete