“A palavra sacro vem do latim sacrum, é de origem indo-européiae significa: que pertence à divindade – cuja majestade incute um senso dereverência e estupor que participa da potência divina (mesmo se não personificada), e é separado do profano – ordem derealidade e poder que, por natureza ou por destino, é oposta ao profano”.[1]
“O Sacro, retamente entendido, não funda alguma coisa de diferente doprofano, mas funda o próprio sentido do profano e revela o fundamento da vida”.[2]
Sagrado significa “separado para Deus”, não é da ordem de todas ascoisas, é exclusivamente divino.
Profano nada mais é que “de uso cotidiano”, comum da ordem de todas ascoisas, não é exclusivamente divino.Existe um equívoco no que diz respeito ao profano: comumente o entendemos comomundano, sujo, sem dignidade, ilícito. O mundano sim, é ruim, oposto ao santo.
O sagrado é o diferente de mim, é o perfeito, assim como eu souimperfeito e é essa diferença que faz nascer em mim a necessidade de religar-mea Deus, cujos caminhos são perfeitos, cujos sentimentos são constantes; se olouvar, Ele continuará me amando, se o amaldiçoar, ele me amará da mesmamaneira (cf. 2Tm 2,13), grandes são suas obras (Sl 110,2), nele não há sombraou variação (Tg 1,17), Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8), o Amém, aTestemunha fiel e verdadeira (Ap 3,14).
Quando o Sagrado se manifesta:
1) Nos conduz a um despojamento de nossos esforços pessoais,capacidades, palavra, apegos, posses para confiar no poder, na eficácia da palavraque sai da boca de Deus: “Jesus disse a Simão: Rema lago adentro e joga asredes para pescar. Replicou-lhe Simão: Mestre, labutamos a noite inteira semnada conseguir” (Lc 5,4).
“Moisés, não te aproximes; tira as sandálias dospés, pois o lugar que pisas é terreno sagrado” (Ex 3,5).
2)Há uma revelação que se opõe a tudo o que nãoseja uma realidade ABSOLUTA[3]incondicional, irrestrita, integral, total: “Deus respondeu a Moisés: ‘Sou oque sou’” (Ex 3,14)[4].Ele nos conduz a um ponto fixo Absoluto, um Centro: “Eu sou o caminho, averdade e a vida” (Jo 14,6), a permanecer nele: “Permanecei em mim como Eu emvós” (Jo 15,4) e a uma obediência à sua palavra: “Porém, já que o dizes,jogarei as redes” (Lc 5,5b).
3) Manifesta sua glória na adesão à sua palavra e não à palavra domundo: “Lançou Aarão a sua vara diante de Faraó e diante de seus servos e elase transformou em cobra. Ora, também os magos do Egito fizeram o mesmo. Mas a vara deAarão devorou as varas deles” (Ex 7,10-12). “Fizeram isso e apanharam tamanhaquantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5,6).
4) Há uma diferenciação entre criador e criatura, limitado e ilimitado,santo e pecador: “Então Moisés cobriu o rosto, porque temia olhar para Deus”(Ex 3,6). “Senhor, afasta-te de mim: eu sou pecador” (Lc 5,8). Na transfiguração,os apóstolos cobriam o rosto; na ressurreição, os guardas fizeram o mesmo. É a realidade dos opostos: “o Mysterium Fascinans” (MistérioFascinante em latim), o Deus Anawin (Pobre de Iahweh) que se manifesta pequenoe indefeso como uma criança em Belém, que se revela como graça e misericórdia eo MysteriumTremendum “[5], do Leão e doCordeiro que se manifesta como uma tremenda majestade esmagadora de poder – “umpoder que quer a alteridade do outro até o ponto de se deixar matar para colhera ressurreição. O poderabsoluto se identifica com o sacrifício que comunica vida aos homens e fundasua liberdade. O leão que ruge e o cordeiro que se entrega, o mendigo que batena porta e que entra como rei e justo juiz, o Todo Poderoso e o misericordioso.Jesus com sua cruz entra em relação com todos sem deixar ninguém à parte. Acruz é relação com o céu e com a terra, com os infernos, com os justos epecadores, com o ladrão agraciado e com o obstinado, com Maria e com João, comos crucificados da história e com os crucificadores de todos os tempos. OCordeiro manso e imolado mantém aberta a relação também com aqueles quegostariam de romper. Aquele que não reage e se deixa ferir não é, acaso, sinal,paradoxalmente de uma vontade de comunhão que no fim resulta mais forte do quequalquer violência?”[6]
5) Convida-nos a um sentido de orientação, deunidade e de vida para uma missão de mostrar o Outro aos outros. “Vinde apósmim, e Eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4,19), “Não temas, daqui parafrente pescarás homens” (Lc 5,10), “André encontrou primeiramente Simão e lhedisse: Encontramos o Messias” (Jo 1,40).
Sagrado,consagrado, santo implica em pertencer totalmente a um outro.
“Só é possível sair do próprio limite e pertencer totalmente a um Outro,sendo guiado por um ponto externo” [7];só guiado por um referencial moral fora de seus limites, o homem se encontrarácomo homem. As populações arcaicas do hemisfério norte se guiavam a noite pelaestrela polar, “a única que permanece imóvel enquanto as outras fazemreferência constantemente a ela”.[8]
Como não temos nos fixado neste ponto externo Absoluto nos últimostempos, caímos na “ditadura do relativismo”, expressão usada por Bento XVI paradesignar o tormento dos séculos vividos atualmente pelo homem da modernidade.
Podemos enumerar como Absoluto os valores perenes como a Caridade, aamizade, o louvor, a gratidão, a retidão,a Palavra de Deus, a Palavra da Igreja e não a do mundo, os Sacramentos como oBatismo, a Reconciliação, a Eucaristia.
E em minha vida? Onde me tenho fixado? Onde estou ancorado? No que érelativo ou Absoluto?
“Quem tem ouvidos, ouça o que o espírito diz às Igrejas” (Ap 3,22).
[1] Zingarelli N., Vocabulario della Lingua Italiana. a cura di Dogliotti M. E Rosiello L.,Bologna, Zanichelli, 1996.
[2] Maggioni B., Liturgiae culto, in Nuovo Dizionario di Telogia Biblica a cura di Rossano P.- Ravasi G.- Girlanda A., Milano, San Paolo,1988, p. 836.
[3] AB: desde; SOLUS: sozinho = Aquilo que existe e nãodepende de qualquer outra coisa. Do grego APOLYTON: isento de relação, delimitação, de dependência
[4] Em hebraico “IAHWEH”= ”Eu sou Aquele que é”. O nome de Deus não é uma representação simbólicasimplesmente, mas uma respostacategórica da parte de Deus para Moisés. Aquilo que Deus é no mais profundo doseu ser. Aquele que subsiste em si mesmo. Não há nele nenhuma forma de necessidade,possibilidade de mudança. Nele o tempo não existe. Deus é aquele que é. O verbo ser significa: Plenitude
[5] Mistério Tremendo emlatim, termo usado pela primeira vez por Rudolf Otto, um dos mais influentespensadores de religião na primeira metade do século XX.
[6] Cencine A., Virgindade e Celibato hoje: para umasexualidade pascal, São Paulo, 2009, p.154.