O sentido do Ano Mariano
O vínculo especial da humanidade com esta Mãe foiprecisamente o que me levou a proclamar na Igreja, no período que antecede aconclusão do Segundo Milénio do nascimento de Cristo, um Ano Mariano. Umainiciativa semelhante a esta já se verificou no passado, quando o Papa Pio XIIproclamou o ano de 1954 como Ano Mariano, para dar realce à excepcionalsantidade da Mãe de Cristo, expressa nos mistérios da sua Imaculada Conceição(definida exactamente um século antes) e da sua Assunção ao Céu.
Seguindo a linha do Concílio Vaticano II, anima-me o desejode pôr em relevo a presença especial da Mãe de Deus no mistério de Cristo e dasua Igreja. Esta é uma dimensão fundamental que dimana da Mariologia doConcílio, de cujo encerramento já nos separam mais de vinte anos. O Sínodoextraordinário dos Bispos, que se realizou em 1985, exortou a todos a seguiremfielmente o magistério e as indicações do Concílio. Pode dizer-se que em ambos- . no Concílio e no Sínodo – está contido aquilo que o Espírito Santo deseja"dizer à Igreja" (cf. Apoc 2, 7.17.29; 3, 6.13.22) na fase presenteda história.
Neste contexto, o Ano Mariano deverá promover também umaleitura nova e aprofundada daquilo que o Concílio disse sobre a Bem-aventuradaVirgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja, a que se referemas considerações contidas na presente Encíclica. Com esta perspectiva, trata-senão só da doutrina da fé, mas também da vida de fé; e, portanto, da autêntica"espiritualidade mariana", vista à luz da Tradição e, especialmente,daquela espiritualidade a que nos exorta o Concílio. Além disso, aespiritualidade mariana, assim como a devoção correspondente, tem umariquíssima fonte na experiência histórica das pessoas e das diversascomunidades cristãs, que vivem no seio dos vários povos e nações, sobre toda aface da terra. A este propósito, é-me grato recordar, dentre as muitastestemunhas e mestres de tal espiritualidade, a figura de São Luís MariaGrignion de Montfort, o qual propõe aoscristãos a consagração a Cristo pelas mãos de Maria, como meio eficaz paraviverem fielmente os compromissos baptismais. E registo ainda aqui, de bomgrado, que também nos nossos dias não faltam novas manifestações destaespiritualidade e devoção.
Há, portanto, pontos de referência seguros para os quaisolhar e aos quais ater-se, no contexto deste Ano Mariano.
A celebração do mesmoAno Mariano terá início na Solenidade do Pentecostes no dia 7 de Junho próximo.Trata-se, efectivamente, não apenas de recordar que Maria "precedeu"o ingresso de Cristo Senhor na história da humanidade, mas também de salientar,à luz de Maria, que, desde que se realizou o mistério da Incarnação, a históriada humanidade entrou "na plenitude dos tempos" e que a Igreja é osinal desta plenitude. Como Povo de Deus, a Igreja vai fazendo, mediante a fé,a peregrinação no sentido da eternidade no meio de todos os povos e nações,peregrinação que começou no dia do Pentecostes. A Mãe de Cristo, que estevepresente no princípio do "tempo da Igreja" quando, durante os dias deespera do Espírito Santo, era assídua na oração no meio dos Apóstolos e dosdiscípulos do seu Filho, "precede" constantemente a Igreja nesta suacaminhada através da história da humanidade. Ela é também aquela que,precisamente como serva do Senhor, coopera sem cessar na obra da salvaçãorealizada por Cristo, seu Filho.
Assim, por meio deste Ano Mariano, a Igreja é chamada não sóa recordar tudo o que no seu passado testemunha a especial cooperação maternada Mãe de Deus na obra da salvação em Cristo Senhor, mas também a preparar para ofuturo, na parte que lhe toca, os caminhos desta cooperação salvífica, dadoque, com o final do Segundo Milénio cristão, se abre como que uma novaperspectiva.
Como já tivemosocasião de recordar, também entre os irmãos desunidos muitos honram e celebrama Mãe do Senhor, especialmente entre os Orientais. É uma luz mariana projectadasobre o Ecumenismo. Mas desejaria aqui recordar ainda, em particular, quedurante o Ano Mariano ocorrerá o Milénio do Baptismo de São Vladimiro,Grão-Príncipe de Kiev (a. 988), que deu início ao Cristianismo nos territóriosda "Rus’" de então e, em seguida, em todos os territórios da Europaoriental; e que, por esta via, mediante a obra de evangelização, o Cristianismose estendeu também para além da Europa, até aos territórios setentrionais doContinente asiático. Desejaríamos, portanto, especialmente durante este Ano,unir-nos na oração com todos aqueles que celebram o Milénio desse Baptismo,ortodoxos e católicos, renovando e confirmando com o Concílio, a vivência desentimentos de alegria e consolação, pelo facto de que "os Orientais …acorrem a venerar a Mãe de Deus, sempre Virgem, com fervor ardente e ânimodevoto". Embora experimentemosainda os efeitos dolorosos da separação, que se deu alguns decénios depois (a.1054), podemos dizer que diante da Mãe de Cristo nos sentimos verdadeirosirmãos e irmãs no âmbito daquele Povo messiânico chamado a ser uma únicafamília de Deus sobre a face da terra, como já tive ocasião de anunciar nopassado dia de Ano Novo: "Desejamos reconfirmar esta herança universal detodos os filhos e filhas desta terra".
Ao anunciar o Ano de Maria, eu precisava ainda que oseu encerramento será no ano seguinte, na solenidade da Assuncão de NossaSenhora ao Céu, querendo realçar "o sinal grandioso no céu" de quefala o Apocalipse. Deste modo, queremos também pôr em prática a exortação doConcílio, que olha para Maria como um "sinal de esperança segura e deconsolação para o Povo de Deus peregrino". E essa exortação foi espressapelo Concílio com as seguintes palavras: "Dirijam todos os fiés súplicasinstantes à Mãe de Deus e Mãe dos homens, para que ela, que assistiu com suasorações aos começos da Igreja, também agora, no Céu, exaltada acima de todos osbem-aventurados e dos anjos, interceda junto de seu Filho, na comunhão de todosos santos, até que todas as famílias dos povos, quer as que ostentam o nomecristão, quer as que ignoram ainda o seu Salvador, se reúnam felizmente, em paze concórdia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisaTrindade".
Introdução
Parte 1
Parte 1.1
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