Não acredito que seja irrelevante o fato de a característica mais marcante do Papa Francisco ser sua abertura pessoal e pastoral ao diálogo. Talvez seja pretensão escrever sobre o diálogo tendo essa figura tão forte hoje, apelando ao diálogo a cada olhar, atitude e pronunciamento. Porém, é notório que vivemos em um período em que a intolerância fala mais alto do que o diálogo. Talvez, exatamente por isso, seja necessário resgatar o seu valor.
Um conjunto de monólogos não constrói um diálogo. A palavra diálogo vem do grego dialogos, ‘dia’ significa ‘dois’ e ‘logos’ significa razão, pensamento. Diálogo, portanto, em sua etimologia mais simples, quer dizer duas ideias diferentes. É pressuposto do diálogo lidar com o diferente, estar aberto ao diferente. Não há diálogo formado por ideias semelhantes. É, portanto, entre os portadores das ideias diferentes que há a troca, o cruzamento dos diferentes caminhos, das diferentes perspectivas. Esse cruzamento não necessariamente é o meio termo ou a justa medida aristotélica, um apanhado de um pouquinho de uma ideia e um pouquinho de outra. Da troca há de surgir um novo, um novo caminho, uma nova ideia.
Seja em nosso país ou no mundo, abundam exemplos de intolerância e falta de diálogo. São tempos em que a violência parece prevalecer. Em suas formas mais explícitas ou mesmo em suas versões mais sutis, a violência espalha-se e adentra as esferas da vida privada. A carência de diálogo talvez seja uma das expressões mais preocupantes da ascensão da violência. Hoje, o que se observa é um constante movimento de polarização e de fechamento das ideias em grupos, que fazem do encontro com o diferente um embate. As ideias enlatadas, hermeticamente encerradas em seus mundos, mostram-se pouco preocupadas com a realidade.
O diálogo é diferente de um embate de ideias, em que uma tem de superar a outra, em que deve haver um vencedor e perdedores. O diálogo necessita de duas atitudes dos sujeitos envolvidos: a abertura de si e a abertura ao conhecimento do outro, é preciso entrar na outra ideia, saber como se estrutura, de onde vem, para onde vai. Essas posturas se baseiam, assim, na reciprocidade. Abre-se tudo o que se traz consigo e se adentra completamente no diferente, nem que seja durante o tempo do encontro com o outro, para que não mais seja o outro um estranho.
É preciso abrir-se para que o outro possa nos ver e também iluminar aquilo que nós mesmos não conseguimos enxergar. É preciso adentrar no universo diferente que é o outro para que ele não seja mais estranho e, portanto, para que se quebre toda forma de preconceito, que é o verdadeiro inimigo de qualquer diálogo. Não se deve temer esse duplo movimento de abrir-se e de adentrar no outro. Nesse sentido, é interessante perceber a importância do diálogo na perspectiva da Obra Nova ¹, o novo que Deus quer fazer brotar em nós, como elemento constitutivo da evangelização, da unidade e da contemplação.
O papel do diálogo para a evangelização não deve ser negligenciado. O conhecimento do outro, por meio do diálogo, é fundamental para vivermos a evangelização. Precisamos romper com os preconceitos, conhecer o outro, somente assim podemos amá-lo verdadeiramente. O diálogo é pressuposto para a autêntica vivência da unidade. O diálogo pressupõe a existência de ideias diferentes e, por vezes, antagônicas, mas que nunca devem ser apresentadas como únicas e irredutíveis, pois devem ter como critério máximo a Verdade, o Evangelho. Na contemplação, encontra-se a essência sublime do diálogo, o diálogo místico. Rezar é falar com Deus e escutar Deus falar. Saber rezar é também saber dialogar.
Em tempos de crescimento da violência, é preciso retomar o caminho do diálogo. É importante começar retomando o diálogo com Deus, mas é imprescindível, como fruto natural da relação com Deus, transbordar para as relações pessoais. Para tanto, temos um grande exemplo no Papa e a riqueza da Obra Nova, que deve transparecer em nossa vida.
¹ Obra Nova: um dos textos basilares da espiritualidade da Comunidade Católica Shalom, “Obra Nova” foi redigido pelo fundador Moysés Azevedo, em 1984.
Emanuel Sebag