Querido Papa Francisco, quando te vimos aparecer naquela noite de tua eleição, feliz, mas aparentando ainda certa timidez, com muita humildade pedindo oração aos fiéis e se curvando para recebê-la, não imaginávamos a revolução que a tua vida ofertada como Pastor do rebanho de Cristo iria realizar. O grande teólogo Yves Congar via em São Francisco de Assis o maior exemplo de reforma da Igreja cumprida por via de santidade, no seu estudo ‘Verdadeira e falsa reforma na Igreja’. Querido Papa Francisco, contemplamos a atualização dessa reforma por via de santidade pela tua vida fiel à graça de Deus.
Quanto frescor na vivência da simplicidade, da pobreza evangélica. Santo Padre, tu não tinhas apenas ‘’cheiro de ovelha’’, como convidavas cada pastor do rebanho de Cristo a ter. Tinhas também ‘’cheiro de Evangelho’’, vivias a santa radicalidade do Evangelho, diferente dos radicalismos que só matam. Nos mostraste que, mesmo exercendo uma alta função, se pode viver a pobreza, se pode colocar-se a serviço dos outros. Como Jesus, não vieste para ser servido, mas para servir, e nós o vimos em cada pequena e significativa postura: numa recusa em deixar que um secretário carregasse sua pasta de trabalho, no desejo de não viajar em cabines luxuosas nos aviões, mas em poltronas apenas confortáveis, no deslocamento em carros populares, na insistência em pagar os gastos do hotel onde tinhas ficado antes do Conclave que te elegeu, no desejo de entrar no mesmo ônibus com os demais cardeais, na participação junto aos demais membros da cúria romana, e não em um lugar à parte, das pregações de Quaresma e Advento que o pregador da Casa Pontifícia dava… tu vivias a alegria do Evangelho (nome da primeira exortação apostólica) e por possuíres essa alegria, eras tão simples e pobre, porque havias encontrado a riqueza que relativiza aquelas deste mundo. Não eras pobre por ideologia, mas por seres todo de Jesus. Eras pobre porque eras rico de Deus!
Amor aos pobres pecadores
Quanto amor pelos pobres pecadores! Tu sempre dizias: “Pecador, sim, corrupto, não!” Falavas do coração que vai se deixando corromper no mal, e que o fato de sermos pecadores não significava que deveríamos nos deixar corromper. Ser pecador é reconhecer-se sempre necessitado do Senhor, é viver em estado de luta pelo Amor de Deus em nossas vidas, é sempre permanecer vigilante para não se deixar surpreender pelo inimigo das almas. Por isso, tu não olhavas os pecadores de cima (tu mesmo te definias como pecador amado e salvo por Deus), mas nos olhos, com aquele belo sorriso que enchia teu rosto. Quantas quintas-feiras santas em que escolhias lavar os pés dos detentos de Roma! Tu lhes lavavas os pés, não porque querias honrar os que fizeram o mal, mas porque em nome do Senhor desejavas lhes anunciar que tudo não estava perdido, que o Amor de Deus podia lhes abrir as portas de uma vida nova. Lembro-me ainda de São Francisco, de quem tomaste o nome como inspiração, que ao encontrar os ladrões arrependidos por terem querido roubar um convento, disse-lhes: “Queridos irmãos, se tivessem cometido pecados infinitos, a divina misericórdia seria ainda maior! Pois segundo diz o santo Evangelho, Cristo veio resgatar os pecadores.” Lembro ainda do testemunho de um sacerdote da Comunidade Shalom que, ao encontrar-te um dia, Santo Padre, agradeceu a oportunidade de ser sacerdote da misericórdia. E tu lhe respondeste: “Perdoe tudo, tudo, tudo! Pois assim Deus perdoa!”
Vida de oração
Tu testemunhaste que a oração é essencial, é vital na vida de um homem de Deus. Nosso fundador fala que, no encontro de Aparecida, em 2007, quando ainda eras cardeal, sempre te via rezando o rosário nos intervalos. Muitos dos superiores das Ordens religiosas e moderadores de Comunidades testemunharam que, ao encontrar-te em audiência privada, tu lhes indagavas: “Como vai tua vida de oração?” Santo Padre, e o testemunho que davas de tua própria oração, da intimidade amorosa que tinhas com o Senhor, nos longos momentos de adoração noturna que fazias, ao ponto de às vezes ‘’bater a cabeça no sacrário’’, como dizias, exausto do dia de labuta, mas confiante pois estavas diante do Pai! Para ti a oração não era refletir muito, pensar sobre Deus, entrar no mundo das ideias, mas um diálogo amoroso com o próprio Deus Vivo, com a Virgem Mãe, com os santos. Rezar é estar diante de pessoas vivas, os santos, o próprio Senhor! Rezar, para ti, era estar em relação de amizade profunda com os amigos do Céu. Tua oração era tão encarnada que era repleta de sinais visíveis: como não pensar nas flores que trazias para oferecer a Nossa Senhora no retorno de cada viagem apostólica. Tua oração não era uma fantasia, mas uma relação de amor com Maria, com Jesus, com os santos! Como nos ensinas também nisso!
Amor pelo povo de Deus
Quanto amor pelo povo de Deus…tua alegria era estar no meio das pessoas, escutá-las, abençoá-las, amá-las…especialmente os caros doentes, os pobres, os jovens, as famílias. Os correios italianos disseram que recebeste em fevereiro último em média 150 quilos de cartas por dia! Lembro-me de uma audiência que participei na Praça de São Pedro com minha esposa Luciane, que é doente, acompanhada por um tumor cerebral há alguns anos. Começou a chover forte nesse dia, antes da audiência. Os organizadores direcionaram todos os doentes com seus acompanhantes para a Sala Paulo VI. Ficamos no momento tristes, porque achávamos que íamos te ver apenas por um telão…, mas qual não foi nossa surpresa quando te vimos entrar na Sala Paulo VI a fim de falar com cada doente! Tu te preocupavas realmente com cada detalhe, não querias que os doentes se molhassem na chuva. Diante de nós, escutaste com atenção, como se só estivéssemos nós ali, contigo… rezaste por minha esposa, nos abençoaste, e pediste que rezássemos também por ti. Para ti os doentes não eram as pessoas que estavam ali a dar trabalho, mas eleitos de Deus, escolhidos para se unirem de forma toda particular a Jesus. Não era uma teoria, era a verdade!
Ao longo desses anos, quanto trabalho pelo Reino de Deus! 4 encíclicas, 47 viagens, 65 países visitados, 900 canonizações, 545 homilias oficiais, 163 cardeais criados, 39 constituições apostólicas, 7 exortações apostólicas, 99 cartas apostólicas, 75 Motu Proprio, 10 consistórios, 26 mensagens Urbi et Orbe, 2393 discursos! Toda essa força de trabalho jorrava de tua vida interior.
Nos ensinaste como é viver o Evangelho no terceiro milênio. Ao contemplar tua vida, Santo Padre, vimos que é possível! É possível ser santo e profundamente feliz, e cito Léon Bloy, essa citação que amavas fazer: “No final das contas só existe uma tristeza digna desse nome: a de não ser santo.”
Escreveste um dia aos bispos um documento curto chamado “Aprender a despedir-se”, encorajando-os a não temer quando chegasse o momento de deixar a diocese que lhes era confiada. Hoje somos nós que precisamos aprender a nos despedir de ti, Santo Padre! Quanta saudade nos habita!
Morreste como viveste: em estado de saída. Quiseste encontra a multidão dos fiéis na Praça de São Pedro, ir ao seu encontro no dia feliz por excelência, o dia da Ressurreição do Senhor. É como se nos dissesse: “vos encontrarei agora nesse dia feliz, no dia da Glória! Coragem, filhos, vale a pena, chega já! Coragem, vale a pena ser de Jesus!”
Até logo, querido Papa Francisco. Nos encontraremos diariamente na Santa Eucaristia. Até o dia em que nos encontraremos na Glória de Deus. Obrigado por tudo. Não somos dignos de ti, mas somos felizes porque Deus sempre se ultrapassa em generosidade, ao nos ter dado esse imenso presente durante 12 anos. É difícil dizer adeus. Mas vamos lá. Te amamos! Cuida de nós, lá do Céu! Até logo, até o Céu!
Um Papa que nos ensinou a viver o Evangelho com o coração
Ele não escreveu apenas documentos, ele construiu pontes. Pontes de misericórdia, de escuta, de amor concreto! Francisco hoje está junto ao Pai…Mas suas palavras ainda nos consolam, nos desafiam e nos chamam a viver a Santidade no quotidiano.
Nos próximos dias, o Instituto Parresia convida você a mergulhar no coração do seu ensinamento — uma série de onze vídeos sobre suas encíclicas e exortações apostólicas.
Que o seu legado continue vivo entre nós!