Servir Jesus nos seus «irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40)
A Palavra divina ilumina a existência humana e leva as consciências a reverem em profundidade a própria vida, porque toda a história da humanidade está sob o juízo de Deus: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, sentar-Se-á, então, no seu trono de glória. Perante Ele reunir-se-ão todas as nações» (Mt 25, 31-32). No nosso tempo, detemo-nos muitas vezes superficialmente no valor do instante que passa, como se fosse irrelevante para o futuro. Diversamente, o Evangelho recorda-nos que cada momento da nossa existência é importante e deve ser vivido intensamente, sabendo que cada um deverá prestar contas da própria vida. No capítulo vinte e cinco do Evangelho de Mateus, o Filho do Homem considera como feito ou não feito a Si aquilo que tivermos feito ou deixado de fazer a um só dos seus «irmãos mais pequeninos» (25, 40.45): «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter comigo» (25, 35-36). Deste modo, é a própria Palavra de Deus que nos recorda a necessidade do nosso compromisso no mundo e a nossa responsabilidade diante de Cristo, Senhor da História. Quando anunciamos o Evangelho, exortamo-nos reciprocamente a cumprir o bem e a empenhar-nos pela justiça, pela reconciliação e pela paz.
Palavra de Deus e compromisso na sociedade pela justiça
A Palavra de Deus impele o homem para relações animadas pela retidão e pela justiça, confirma o valor precioso aos olhos de Deus de todas as fadigas do homem para tornar o mundo mais justo e mais habitável. A própria Palavra de Deus denuncia, sem ambiguidade, as injustiças e promove a solidariedade e a igualdade. À luz das palavras do Senhor, reconheçamos pois os «sinais dos tempos» presentes na história, não nos furtemos ao compromisso em favor de quantos sofrem e são vítimas do egoísmo. O Sínodo lembrou que o compromisso pela justiça e a transformação do mundo é constitutivo da evangelização. Como dizia o Papa Paulo VI, trata-se de «chegara atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação».[329]
Com este objetivo, os Padres sinodais dirigiram um pensamento particular a quantos estão empenhados na vida política e social. A evangelização e a difusão da Palavra de Deus devem inspirar a sua a ção no mundo à procura do verdadeiro bem de todos, no respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa. Certamente não é tarefa direta da Igreja criar uma sociedade mais justa, embora lhe caiba o direito e o dever de intervir sobre as questões éticas e morais que dizem respeito ao bem das pessoas e dos povos. Compete sobretudo aos fiéis leigos formados na escola do Evangelho intervir diretamente na ação social e política. Por isso o Sínodo recomenda uma adequada educação segundo os princípios da doutrina social da Igreja.
Além disso, quero chamar a atenção geral para a importância de defender e promover os direitos humanos de toda a pessoa, que, como tais, são «universais, invioláveis e inalienáveis». A Igreja aproveita a ocasião extraordinária oferecida pelo nosso tempo para que a dignidade humana, através da afirmação de tais direitos, seja mais eficazmente reconhecida e promovida universalmente, como característica impressa por Deus criador na sua criatura, assumida e redimida por Jesus Cristo através da sua encarnação, morte e ressurreição. Por isso a difusão da Palavra de Deus não pode deixar de reforçar a consolidação e o respeito dos direitos humanos de cada pessoa.
Anúncio da Palavra de Deus, reconciliação e paz entre os povos
Dentre os numerosos âmbitos de compromisso, o Sínodo recomendou vivamente a promoção da reconciliação e da paz. No contexto atual,é grande a necessidade de descobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e de paz, porque nela Deus reconcilia em Si todas as coisas (cf.2 Cor 5, 18-20; Ef 1, 10): Cristo «é a nossa paz» (Ef 2, 14), Aquele que derruba os muros de divisão. Muitos testemunhos no Sínodo comprovaram os graves e sangrentos conflitos e as tensões presentes no nosso planeta. Às vezes tais hostilidades parecem assumir o aspecto de conflito inter-religioso. Quero uma vez mais reafirmar que a religião nunca pode justificar a intolerância ou as guerras. Não se pode usar a violência em nome de Deus! Toda a religiãodevia impelir para um uso correcto da razão e promover valores éticos queedifiquem a convivência civil.
Fiéis à obra de reconciliação realizada por Deus em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, os católicos e todos os homens de boa vontade empenhem-se por dar exemplos de reconciliação para se construir uma sociedade justa e pacífica. Nunca esqueçamos que «onde as palavras humanas se tornam impotentes, porque prevalece o trágico clamor da violência e das armas, a força profética da Palavra de Deus não esmorece e repete-nos que a paz é possível e que devemos, nós mesmos, ser instrumentos de reconciliação e de paz».[336]
A Palavra de Deus e a caridade ativa
O compromisso pela justiça, a reconciliação e a paz encontra a sua raiz última e perfeição no amor que nos foi revelado em Cristo. Ouvindo os testemunhos proferidos no Sínodo, tornámo-nos mais atentos à ligação que há entre a escuta amorosa daPalavra de Deus e o serviço desinteressado aos irmãos; que todos os fiéis compreendam «a necessidade de traduzir em gestos de amor a palavra escutada, porque só assim se torna credível o anúncio do Evangelho, apesar das fragilidades humanas que marcam as pessoas». Jesus passou por este mundo fazendo o bem(cf. Act 10, 38). Escutando com ânimo disponível a Palavra de Deus na Igreja, desperta-se «a caridade e a justiça para com todos, sobretudo para com os pobres». É preciso nunca esquecer que «o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. (…) Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem». Por isso, exortotodos os fiéis a meditarem com frequência o hino à caridade escrito pelo Apóstolo Paulo, deixando-se inspirar por ele: «A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa; a caridade não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente, não procura o seu interesse, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca acabará»(1 Cor 13, 4-8).
Deste modo o amor do próximo, radicado no amor de Deus, deve ser o nosso compromisso constante como indivíduos e como comunidade eclesial local e universal. Diz Santo Agostinho: «É fundamental compreender que a plenitude da Lei, bem como de todas as Escrituras divinas, é o amor (…). Por isso quem julga ter compreendido as Escrituras, ou pelo menos uma parte qualquer delas, mas não se empenha a construir, através da sua inteligência, este duplo amor de Deus e do próximo, demonstra que ainda não as compreendeu».[340]
Anúncio da Palavra de Deus e os jovens
O Sínodo reservou uma atenção particular ao anúncio da Palavra divina feito às novas gerações. Os jovens já são membros ativos da Igreja e representam o seu futuro. Muitas vezes encontramos neles uma abertura espontânea à escuta da Palavra de Deus e um desejo sincero de conhecer Jesus. De fato, na idade da juventude, surgem de modo irreprimível e sincero as questões sobre o sentido da própria vida e sobre a direção que se deve dar à própria existência. A estas questões só Deus sabe dar verdadeira resposta. Esta solicitude pelo mundo juvenil implica a coragem de um anúncio claro; devemos ajudar os jovens a ganharem confidência e familiaridade com a Sagrada Escritura, para que seja como uma bússola que indica a estrada a seguir. Para isso, precisam de testemunhas e mestres, que caminhem com eles e os orientem para amarem e por sua vez comunicarem o Evangelho sobretudo aos da sua idade, tornando-se eles mesmos arautos autênticos e credíveis.
É preciso que a Palavra divina seja apresentada também nas suas implicações vocacionais de modo a ajudar e orientar os jovens nas suas opções de vida, incluindo a consagração total. Autênticas vocações para a vida consagrada e para o sacerdócio encontram o seu terreno propício no contato fiel com a Palavra de Deus. Repito aqui o convite que fiz no início do meu pontificado para abrir de par em par as portas a Cristo: «Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada – absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. (…) Queridos jovens, não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, e dá tudo. Quem se entrega a Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo, e encontrareis a vida verdadeira».
Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini