«Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: – Meufilho, vai trabalhar hoje na vinha. Respondeu ele: – Não quero. Mas, emseguida, tocado de arrependimento, foi. Dirigindo-se depois ao outro,disse-lhe a mesma coisa. O filho respondeu: – Sim, pai! Mas não foi.Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro, responderam-lhe.».
O filho da parábola que diz «sim» mas não faz representa aqueles queconheciam Deus e seguiam sua lei, mas depois, em sua atuação prática,quando se tratava de acolher Cristo, que era «o fim da lei», deram umpasso atrás. O filho que diz «não» e faz representa aqueles que antesviviam fora da lei e da vontade de Deus, mas depois, com Jesus, searrependeram e acolheram o Evangelho. Daqui a conclusão que Jesus põediante «dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos do povo»: «Emverdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precederão noReino de Deus».
Nenhuma frase de Cristo foi mais manipulada que esta. Acabaram criandoàs vezes uma espécie de aura evangélica em torno da categoria dasprostitutas, idealizando-as e opondo-as a todos os demais,indistintamente, escribas e fariseus hipócritas. A literatura estácheia de prostitutas «boas». Basta pensar na Traviata, de Verdi, ou nahumilde Sonia de Crime e castigo, de Dostoiévski!
Mas isso é um terrível mal-entendido. Jesus apresenta um caso limite,como se estivesse dizendo: «inclusive as prostitutas – e é muito dizer– vos precederão no Reino de Deus». A prostituição é vista com toda suaseriedade, e tomada como termo de comparação para estabelecer agravidade do pecado de quem rejeita obstinadamente a verdade.
É preciso perceber também que idealizando a categoria das prostitutasse costuma idealizar também a dos publicanos, que sempre a acompanha noEvangelho. Se Jesus aproxima estas duas categorias não é sem um motivo:ambos puseram o dinheiro acima de tudo na vida.
Seria trágico se esta palavra do Evangelho fizesse que os cristãosperdessem o empenho por combater o fenômeno degradante da prostituição,que assumiu hoje proporções alarmantes em nossas cidades. Jesus sentiamuito respeito pela mulher para não sofrer, ele em primeiro lugar, peloque esta chega a ser quando se reduz a esta situação. É por isso queele valoriza a prostituição não por sua forma de viver, mas por suacapacidade de mudar e de pôr ao serviço do bem sua própria capacidadede amar. Como Madalena que, após converter-se, seguiu Cristo até a cruze se converteu na primeira testemunha da ressurreição (supondo que foiuma delas).
O que Jesus queria dizer com essa palavra aparece claramente no final:os publicanos e as prostitutas se converteram com a pregação de João oBatista; os príncipes dos sacerdotes e dos anciãos não. O Evangelho nãonos impulsiona portanto a promover campanhas moralizadoras contra asprostitutas, mas tampouco a não levar a sério este fenômeno, como senão tivesse importância.
Hoje, por outro lado, a prostituição se apresenta sob uma forma nova,pois consegue produzir muito dinheiro sem nem sequer correr ostremendos riscos que sempre correram as pobres mulheres condenadas àrua. Esta forma consiste em vender o próprio corpo, ficandotranqüilamente na frente de uma máquina fotográfica ou uma câmera devídeo, sob a luz dos refletores. O que a mulher faz quando se submete àpornografia e a certos excessos da publicidade é vender seu própriocorpo aos olhares. É prostituição pura e dura, e pior que atradicional, porque se impõe publicamente e não respeita a liberdadenem os sentimentos das pessoas.
Mas feita esta necessária denúncia, trairíamos o espírito do Evangelhose não destacássemos também a esperança que esta palavra de Cristooferece às mulheres que, por diversas circunstâncias da vida (comfreqüência por desespero), se encontram na rua, a maioria das vezes,vítimas de exploradores sem escrúpulos. O Evangelho é «evangelho», ouseja, boa notícia, notícia de resgate, de esperança, também para asprostitutas. E mais, antes de tudo para elas. Jesus quis que fosseassim.