Era 2h da madrugada. Ele já estava na fila da loja daquele smartphone de última geração que seria lançado na manhã seguinte. Era a novidade, todos queriam ter e ele não poderia ficar de fora.
Ela assistia mais um episódio daquela série que já era tão previsível, mas que necessitava ver para ocupar um pouco a mente e parar de pensar em tudo que tinha que fazer.
Ele era o centro das conversas. Sempre tinha uma opinião, sempre sabia de tudo. Absorvia todo tipo de conteúdo, independente da qualidade, pra que não ficasse nunca de fora de uma conversa ou excluído de alguma forma do grupo.
Ela vivia na sua monotonia. Trabalho casa, casa trabalho. Ia a missa, participava “das coisas” da Igreja, convivia com algumas pessoas e só. Era a filha quase perfeita, a amiga sempre disponível, a funcionária esforçada no trabalho.
Ele era engraçado, tinha um senso de humor único. Nas redes sociais era sempre curtido, amado, compartilhado. Sempre impecável, nunca errava. Se incomodava com a incapacidade dos outros de não serem perfeitos como ele. Olhar para ele era contemplar uma pessoa sem problemas, sempre “alto astral”.
Ela era durona, sempre bem resolvida. As pessoas a observavam e viam como alguém corajosa, capaz de tudo, destemida. Não gostava de atrair para si a atenção, preferia ficar escondida, no seu lugar, sem incomodar e nem ser incomodada.
Ele, na sua exposição, esperava que as coisas, sua inteligência e “sabedoria”, definissem quem ele era. No fundo se sentia só.
Ela, no seu escondimento, esperava que as pessoas a aceitassem, acolhessem, amassem. No fundo se sentia só.
Cada um, de uma maneira, criou a sua própria tabela de valores.
Ele a cada produto novo, informação(útil ou inútil), curtidas e compartilhamentos, tinha seu valor aumentado.
Ela a cada ação, supostamente escondida e que acabava sendo percebida, a cada pessoa que a aceitava, tinha seu valor aumentado.
Ele queria que ela o notasse e reconhecesse o seu valor. Mal sabia que ela não conseguia ditar nem seu próprio valor.
Ela queria que ele a notasse e reconhecesse o seu valor. Mal sabia que ele não conseguia ditar nem seu próprio valor.
Pobres dos dois. Colocavam nas coisas e nas pessoas seus valores. Mal sabiam que na realidade nada disso define o valor de ninguém.
Não era o fazer e o ter que importava, mas o ser. Ser quem foram criados para ser.
Criados.
Criaturas.
Criatura que é imagem e semelhança do Criador.
Criador que em tudo é perfeito, principalmente no amor.
Talvez, se eles descobrissem que a real tabela de valores se mede, não pelo amor recebido, mas pelo amor dado, aprenderiam que o alvo é outro e o Outro.