O que vem à nossa cabeça quando pensamos nos santos? Certamente, à mente de alguns vem a lembrança daquelas estátuas de pedra ou madeira nas igrejas, retratos de pessoas que estão muito longe no tempo e no espaço e que tiveram vidas tão extraordinárias que nos fazem sentir-nos completamente diferentes e distantes, incapazes de possuir qualquer “ligeira” semelhança.Quando pensamos nos santos, às vezes os vemos como seres que caminharam neste mundo já totalmente restaurados à imagem e semelhança de Deus, como Adão e Eva antes do pecado original.
Outras vezes, pensamos em pessoas tímidas, solitárias, que desprezaram esta vida a fim de pensar só na morte e no que vinha depois dela. Mas, ao contrário do que muitos pensam, os santos foram e são pessoas normais, que ao longo de suas vidas fizeram escolhas fundamentais, as quais os levaram a uma união cada vez maior com Deus.Quando as Sagradas Escrituras mostram os primeiros santos da Igreja primitiva, que são os Apóstolos, não o fazem de forma desencarnada, mas, ao contrário, mostram esses discípulos de Jesus como verdadeiros seres humanos, cheios de conflitos, medos e lutas interiores. Muitos deles cometeram pecados gravíssimos e, mesmo no seguimento de Jesus, ainda sofreram quedas enormes. Caminhavam e travavam duro combate para se verem livres da superficialidade de suas ambições mundanas que os levavam a ter horror ao sofrimento.
Os santos são homens e mulheres que, buscando ardentemente a Deus, alcançam um entendimento tal de si mesmos, que abandonam sua própria justiça e desejos de superioridade para aceitar os outros como são. Compreendem que por si mesmos e independentes de Deus jamais podem sair de suas misérias.
Todo esse processo só pode se assemelhar a um novo nascimento. Jesus disse um dia a Nicodemos que era necessário “nascer de novo”, nascer da água e do Espírito Santo (cf. Jo 3,5).
Jesus passou muito tempo preparando os seus discípulos para este novo nascimento. Aqueles homens foram retirados de uma vida comum, como a nossa, para o convívio íntimo de Jesus. Pescadores incultos, coletores de impostos… todos homens comuns. Realmente, a única esperança que eles tinham e que nós temos hoje para ser santos é nascer do alto, nascer do Espírito Santo.
Eles acompanharam Jesus de perto, descendo dia a dia com Ele o caminho do Calvário, e caíram muitas vezes, sempre que desejavam “inventar” outro caminho para si que não fosse o caminho indicado pelo Mestre. Ao chegar o momento crítico, do aparente fracasso total, tiveram medo e encheram-se de tristeza, mas quando Jesus ressuscitou e apareceu a eles, foram inundados da alegria que o mundo não dá nem pode tirar.
Esta paz que a “gente normal” não pode compreender foi o resultado de um doloroso treinamento pelo qual haviam passado através da convivência com Jesus. Haviam aprendido um caminho novo, o caminho do Senhor, uma nova maneira de viver e relacionar-se. Haviam aprendido a depender de Jesus.
Mas quando subiu ao céu e enviou-lhes seu Espírito, Jesus passou a estar com eles de uma forma nova. Já não podiam vê-lo nem tocá-lo como antes, mas algo de mais importante e comprometedor havia acontecido: pelo poder do Espírito Santo, Jesus e o Pai agora habitavam dentro deles, assim como habitam em nós pelo nosso Batismo. Isso é grandioso!
Assim é que, à medida que davam oportunidade a Jesus de usar seus olhos, suas mãos, suas pernas, sua inteligência, sua afetividade, sua vontade… ficavam cada vez mais plenos do Espírito, e foram se tornando mansos, pacientes e misericordiosos, inclusive com aqueles que não eram assim com eles. A cada dia morria o homem velho e nascia o homem novo dentro de cada um.
Este é o processo simples e ao mesmo tempo tão profundo que se instala em nós quando recebemos o Espírito Santo e damos espaço para que Ele gere Jesus a cada dia em nós: a morte do homem velho, escravo do egoísmo e do orgulho, e o nascimento do homem novo que Deus sonhou quando criou cada um de nós.
A santidade é um chamado de Deus para cada um de nós (cf. 1Pd 1,16) e não somente para alguns privilegiados que conviveram com Jesus, como os Apóstolos. O próprio Evangelho nos faz ver que, infelizmente, muitos dos que viveram no tempo de Jesus não creram nele, como atesta São João: “Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos os que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Os quais não nasceram do sangue nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo 1,10-13).
O Papa João Paulo II, ao longo do seu pontificado, beatificou e canonizou centenas de cristãos, homens e mulheres, religiosos, leigos, casais, mães de família. Assim, também, Bento XVI. Alguns desses viveram em tempos bem próximos aos nossos e, com certeza, enfrentaram desafios semelhantes aos que enfrentamos hoje. Homens e mulheres santos que, atendendo ao apelo de Deus para si e sendo dóceis à ação do Espírito Santo, tornaram-se como setas apontadas para Jesus, ou melhor, mesmo tendo suas características pessoais conservadas, cada um em seu estado de vida, foram e são “Cristo” no mundo, falando conosco, comendo conosco e amando concretamente, refletindo assim a glória de Deus no mundo em nosso tempo.
O caminho da santidade não é inacessível a nenhum de nós; ele só nos é estranho e impossível enquanto não nos decidimos a trilhá-lo. Este caminho não exclui a dor nem a renúncia nem as tentações nem a nossa humanidade, justamente porque é como o caminho de Jesus, um caminho da morte para a Ressurreição. Aqui e ali surge o medo das “mortes” que virão pela frente, mas, para trilhá-lo na alegria é preciso abraçar Jesus do modo como Ele se apresenta hoje, com os olhos fixos nele e no que Ele nos pede agora.
Artigo publicado na revista Shalom Maná / Junho 2003