Dom Anuar Battisti
Dianteda comemoração do dia da abolição da escravatura, realizada em 13 demaio 1888, pela Princesa Isabel e o Conselheiro Rodrigo Augusto daSilva, com a assinatura da lei áurea, pensei que essa data pudessedespertar, em todos nós, um reconhecimento, pelo direito à liberdade,mas principalmente nossa gratidão e pedido de perdão pelos milhares deescravos que derramaram o próprio sangue no trabalho forçado, em nossopaís. Sei que ainda tem muitos, não só negros, vivendo em situaçãodeprimente para arranjar riqueza para patrões ambiciosos. A escravidãonão terminou, pelo contrário, é o grande desafio da sociedade moderna,fazer com que todos “ganhem o pão com o suor do próprio rosto”, comdignidade.
Hoje,constatamos uma série de novas escravidões que vai além do trabalhobraçal. A técnica, os avanços da informática, os novos e modernos meiosde comunicação social, como a internet, são sinais de progresso, demodernização cuja finalidade é aproximar pessoas, construir valores,criar relacionamentos verdadeiros. Ao mesmo tempo, gerou umamentalidade que está cravada na mente e no coração desde os maispequenos e humildes, de consumo desenfreado e absurdo. Somos hoje,escravos do celular, carregando até nos momentos mais sagrados, nostemplos de oração, obrigando expor avisos de “desligue o celular porfavor aqui é lugar de oração”.
Outraescravidão é a da internet, que trás mil e uma vantagem, mas que malusada, cria dependência e escraviza de tal forma, que já não se dialogamais com os da aldeia e sim com os da “aldeia global” . Os amigos jánão são mais os pais ou os filhos, já não importa quem está ao lado ese dele precisar é para o estritamente necessário. As relações sãofrias e formais, não tem espaço para o afeto e o calor humano que formaa mente e o coração de quem ama e ensina a amar. Escravos porquequeremos ser livres, livres para fazer o que mais convém ou para serperfeitos à imagem e semelhança de quem nos criou? As coisas de Deus,nunca podem ocupar o lugar do Deus das coisas. Tudo tem como finalidadepromover a dignidade de todos e Glória do Pai Deus.
Criadoscomo seres livres e para a liberdade, nos sentimos escravizados pelorelógio que corre contra o tempo, pela agenda que transborda decompromissos, pelos desejos que se somam intermitentemente numacorrente sem fim, pela vontade de querer fazer tudo e mais um pouco,dentro do menor tempo possível. Assim, dominados pelas exigências davida moderna, sentimos a necessidade de sermos escravos, não das coisase dos desejos, mas sim dos deveres e dos direitos de ser gente capaz detrabalhar com dignidade, de cultivar auto-estima acreditando nospróprios talentos, o gosto de viver e defender a vida, de ter tempopara trocar idéias e criar relações de amizades que perduram,de ter umtempo para orar e medir com o criador a força da perseverança.
Esseé um tempo de nos deixar escravizar pela prática do bem e da verdade,pela busca incansável de justiça e de paz, pela capacidade de dialogarcom o outro e com o totalmente outro. Esse é um tempo que jamais serepetirá em nossas vidas, seremos gente livre e com força de libertarquando formos escravos do amor a nós mesmos, para poder amar o outro,garantindo assim o maior amor ao Pai Deus. Quem sabe poderemos repetircomo a menina de Nazaré: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mimsegundo a tua Palavra”(Lc 1,38).