Na última semana que vivemos antes de entrar nesta Quaresma, a liturgia nos presenteou com uma página evangélica das mais fortes. Quis o Senhor que ela também nos acompanhasse, aquecendo-nos o coração para este maravilhoso tempo de conversão; e é por ela que meditaremos sobre a purificação do coração, tão necessária à contemplação do Deus Verdadeiro e boa vivências das celebrações pascais. Dizia-nos o Senhor:
“Se tua mão, pé, olho te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na vida sem uma das mãos, pés, olhos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga.” (Mc 9, 43-48)
Não podemos negar … É fortíssimo! E imediatamente nos faz meditar sobre nossa conduta, para onde os nossos membros nos tem levado. Contudo, não podemos achar que Jesus seria ingênuo ou superficial o bastante para apenas mandar cortar uma mão, um pé ou arrancar fora um olho, crendo que isso resolveria o problema do pecado em nós. Superficiais seríamos nós se assim pensássemos. Ao longo da história houve mesmo quem se mutilasse achando ser esse, de fato, o teor mais profundo dessas palavras de Jesus. No entanto, a ordem de cortar fora o que nos leva a pecar transmite, em termos bem extremos, a radicalidade da disposição que devemos ter no rompimento com o pecado.
Ainda que não seja tão explícito, a dureza dessas palavras não aponta para outro lugar senão ao coração do homem, a sede de suas decisões, o único local onde pode haver uma verdadeira ruptura com o pecado. Entender isso neste tempo favorável é essencial para que o vivamos bem e possamos colher bons frutos de conversão e santidade. Não é apenas exterior. É bem mais profundo… O mais profundo possível. É lá no âmago de nossa consciência, no núcleo mais secreto, no sacrário do homem, acessível somente a ele mesmo e a Deus, que se dá esta ruptura radical e dolorosa; é no coração, que deve deixar-se purificar e converter pelo amor de Deus, passando pela cruz, “fazendo morrer o velho” que lá existe.
Na Quaresma, tudo nos inspira à penitência; a palavra sempre está nos impelindo de alguma forma ao sacrifício. Mas, qual é o sacrifício que realmente agrada a Deus? Podemos passar este tempo maravilhoso colecionando penitências e catalogando abstinências das mais variadas e criativas e, no entanto, não conseguir deixar-se levar pelo Espírito, com Jesus, ao deserto do próprio coração, para lá combater e dar a vitória ao Senhor. Assim, buscaremos a todo custo purificar-nos para as festas da Páscoa do Senhor, à força de nossa própria boa vontade, numa queda de braços sem fim com nossos limites e pecados, na ânsia de chegarmos perfeitos ou, pelo menos, “melhorzinhos” nas festas pascais. Sem perceber, estaremos andando em círculos, errando o alvo, pois é o coração o alvo da purificação que Deus quer realizar, e tudo será bem marginal se não for com foco na vida interior, na purificação do coração.
Pense bem: adiantaria combater algum tipo de vício ou desordem (a gula, por exemplo), bombardeando somente as suas manifestações exteriores (parando de comer)? Claro que não, pois não é na boca, na língua, nem mesmo no estômago que está a raiz de tal desordem, mas no coração. É aí que moram as ansiedades, o egoísmo, os desejos de compensação, as carências e toda sorte de desequilíbrios que podem expressar-se no pecado da gula.
Isto posto, recordo-me agora das palavras do nosso fundador, Moysés Azevedo, convidando-nos a uma experiência transformadora: “O único caminho que poderei dar para ser trilhado é o caminho que o Senhor me deu (…) a oração profunda”. A oração sincera e humilde, verdadeira, é a única garantia de que nossa esmola e nosso jejum serão de qualidade. Ou seja, não há esmola e jejum verdadeiros se não surgirem como fruto de um coração arrependido.
Isso quer dizer que toda penitência e sacrifício são inválidos? Absolutamente, não! Nossa co-fundadora, Emmir Nogueira, nas formações do Tecendo o Fio de Ouro, nos ensina magistralmente: “Não é o sofrimento que purifica, mas o amor”, nos mostrando, assim, que no fim de tudo, o que vale é deixar que o amor de Deus nos incendeie o coração, consuma em nós tudo que não é Ele, nos purifique. E a Palavra não deixa dúvidas: “rasgai o vosso coração, não as vossas vestes…” (Joel 2,13); “Meu sacrifício é minha alma penitente, não desprezeis um coração arrependido.” (Salmo 50/51).
A Quaresma, então, é tempo de intensificar os sacrifícios sim, e, principalmente, trilhar um caminho interior, buscando a verdadeira compunção de coração. Talvez até aqui nesta Quaresma você já tenha uma boa coleção de sacrifícios e penitências realizados, mas pouquíssimo caminho interior trilhado com o Senhor. Não seria o momento de um recomeço, deixando-se levar pelo Espírito até as profundezas do coração de Deus? Lá, certamente, nossa Quaresma e sacrifícios serão de tal forma incendiados pelo amor divino que não dará em outra: chegaremos aos ritos pascais mais assemelhados a Cristo, no qual todos os nossos sacrifícios são recapitulados e entregues ao Pai.
A própria liturgia da Quaresma nos faz suplicar a Cristo um coração penitente:
“Ó Cristo, sol de justiça,
brilhai nas trevas da mente.
Com força e luz, reparai
a criação novamente.Dai-nos, no tempo aceitável,
um coração penitente,
que se converta e acolha
o vosso amor paciente.”(Hino das Laudes / Tempo da Quaresma)
Que o Senhor nos conceda esta graça. Shalom!
Elkenson Costa
Formação Mar/ 2014
Boom dia, depois desse final de semana maravilho com a Shalom , queria muito saber das musicas tocadas nas laudes …. mp3 das mesma ..