Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Reconciliai-voscom Deus. Este apelo-convocação brota forte do coração missionário doapóstolo Paulo. Com essa veemência, ele se dirige aos Coríntios, na suaIIa. Carta. O capítulo quinto tem um tom quase dramático, explicitandouma urgência para a vida da humanidade no enfrentamento das candentesquestões existenciais contemporâneas. Paulo não vacila ao fazer esseapelo. Ele o faz no coração da complexidade urbana do seu tempo, emCorinto, Éfeso, Atenas e muitos outros lugares. Ele é convicto dessanecessidade. Conhecedor do que se passa no coração humano e dasdificuldades enfrentadas pela sociedade do seu tempo nas diferentesculturas por ele freqüentadas. Por isso enfrenta grandes dificuldades,indiferenças e zombarias. São espécies de venenos sutis e demolidoresque transitam pelas veias do mundo urbano do tempo de Paulo e de todosos outros tempos. É resultado da perda terrível do sentido dehumanidade e da referência insubstituível de Deus. Que dá lugar,facilmente, aos interesses do momento-segundo da vida, como a economia,o lucro, o bem estar social e outros. E mesmo sendo segundo tem, sim,sua importância. Contudo, jamais pode substituir o sustentáculo que é areferência a Deus. Insubstituível, é a fonte inesgotável para produzirsentido e compreensão que sustentam o equilíbrio de que a humanidadenecessita para prosseguir viagem.
Referênciaa Deus que as culturas não podem dispensar para manter sua configuraçãoprogressiva e cada indivíduo precisa para não perder o prumo de suaexistência. O apelo-convocação de Paulo não é um eco estreitado noâmbito estrito de uma vivência religiosa. Os Atenienses, em diálogo comele, até o dispensaram, conta o evangelista Lucas num episódio narradono capítulo dezessete dos Atos dos Apóstolos. Chamaram-no,ironicamente, de tagarela. Até o levaram ao areópago de Atenas pedindoa ele que lhes contasse sobre a nova doutrina que estava pregando. Ascoisas que Paulo lhes dizia soavam estranhas, confessaram os seusinterlocutores atenienses. Lucas anota que todos os atenienses e osestrangeiros, no areópago, passavam o tempo a contar ou a ouvir asúltimas novidades. O apóstolo fermenta a curiosidade dos seusinterlocutores analisando suas circunstâncias e sublinhando aindispensável busca de Deus, ainda que às apalpadelas.
Respondendoà necessidade de encontrá-lo, e destacando que na realidade ele nãoestá longe de nenhum coração humano porque, conclui Paulo, n’Ele sevive, se move e tudo existe. Paulo sofreu oposições e também teveadesões de muitos que abraçaram a fé. Este apelo-convocação,reconciliai-vos, continua contemporâneo. Ele tem no seu reverso oscenários que revelam uma humanidade sem rumos e se enveredando porcaminhos insustentáveis na organização da vida e em tudo o que dizrespeito à solidariedade e ao compromisso de efetivação de umacivilização do amor – que é tarefa de todos. Sua realização éimpensável e sem fecundidade quando se risca Deus da pauta dos seusprocessos.
Também,é indispensável a consciência da responsabilidade individual ecomunitariamente articulada do serviço de reconciliação que cada pessoatem, na sua responsabilidade social e política, e na sua vivência defé. Paulo lembra que é Deus quem reconcilia. Reconciliai-vos com Deus éuma insistência que focaliza o ponto de partida e de chegada de todoprocesso fecundo que envolve esta premissa maior. Mas, sublinha tambéma tarefa de cada um, constituído como embaixadores, em nome de Deus,desta reconciliação. Um projeto que é mais abrangente do que apenas aconquista de dinâmicas que corrigem pontualmente os funcionamentos dasociedade – com intervenções nos seus mecanismos nefastos e geradoresdestes terríveis cenários de devastação, exclusão e disputas ferinasque vão caracterizando a vida planetária.
Estareconciliação tem um endereço primeiro na interioridade de cada pessoa.Essa é uma condição primeira. E nessa hora tão grave de sua história, ahumanidade reclama pela conquista dessa grande reconciliação. Nãoexiste, senão na interioridade, a fonte inesgotável para umademonstração eloqüente da solidariedade, do respeito e do amor para comtoda a família humana. O coração humano é o lugar do amor que tem forçade penetrar e fermentar todas as relações sociais. Este amor pode serentendido como caridade social ou política. Importa ser estendido atodo o gênero humano. Sua fonte é o coração e a inteligência, e nãopode ser assoreada. É incontestável que o egoísmo é o mais deletérioinimigo da sociedade. A vida social e o exercício da política não podemser pensados apenas nos seus mecanismos de funcionamento. O amor há deser sua fonte referência. Deus é amor. É muito atual o apelo:Reconciliai-vos com Deus!