Um dos mais importantes e gloriosos na história da igreja é o pontificado de S. Calisto I, mas a sua figura luminosa está envolvida num halo de obscuridade e névoa, levantado pelas acusações e invejas dos seus adversários: Tertuliano, e sobretudo Hipólito Romano, o autor do livro chamado Filosofúmena. Enquanto este livro denigre e rebaixa quanto pode o nome de São Calisto, o Liber Pontificalis exalta-o e põe-no ao nível dos maiores papas.
Parece certo ter Calisto nascido escravo. Chamava-se o seu próprio amo Carpóforo e deve ter sido cristão, embora clandestino, homem de muito dinheiro e grandes negócios. Calisto já desde os primeiros anos era a pessoa toda a confiança. Carpóforo encarregou-o do banco; muitas viúvas e muitos cristãos confiaram-lhe os seusbens. Não sabemos como – segundo os seus inimigos, por má administração –Calisto perdeu o dinheiro. Temendo o castigo, fugiu; mas foi surpreendido poroutros escravos do mesmo senhor e condenaram-no ao pistrino, lugar onde osservos faziam andar, como animais, a roda do moinho. Afinal parece ter sidoCalisto vítima, nos seus negócios, dum engano urdido por parte dos judeus. Osenhor acabou por restituí-lo à liberdade, como esperança de ele recuperar operdido. Calisto deve ter tido altercações violentas com os que o enganaram, osquais, sendo mais influentes que ele, conseguiram que fosse deportado para asminas da Sardenha como cristão.
A adversidadeforjava assim o caráter do futuro diácono do papa Zeferino, que foi antecessorseu na Cátedra de Pedro. O confessor de Cristo, vítima ao que parece avareza,voltou a Roma. Por morte do Papa Vítor – que diriamos ter olhado sempredesfavoravelmente para São Calisto, influenciado sem dúvida pelas calúniaslevantadas pelos seus inimigos – S. Zeferino subiu à cátedra de Pedro. Deviaconhecer muito de perto as notáveis qualidades de Calisto e depositou nele todaa confiança. Nomeou-o secretário e confiou-lhe a administração dos bens daIgreja.
Como arcediago deRoma, desempenhou atividade benemérita para a toda a comunidade e mesmo para osfiéis do mundo todo. Foi ele quem dirigiu a ampliação do cemiteriozinho entre avia Ápia e a Ardeatina, que hoje é conhecido pelo nome de Catacumbas de S.Calisto; nos séculos III e IV adquiriram importância excepcional, sendo hoje asmais visitadas de Roma.
A influenciadoutrinal e dogmática do acerdiago que teve o papa Zeferino foi também decisivanos princípios do século III. Começavam em Roma as lutas trinitárias ecristológicas. Havia perigo de exagerar a unidade divina, negando a distinçãorela entre as três pessoas, ou também de insistir demasiado na trindade comdetrimento da unidade de natureza e essência. Calisto combateu energeticamente omonarquismo trinitário contra Práxeas e Sabélio: em Deus há três pessoasrealmente distintas e em tudo iguais, ainda que a natureza seja a mesma para astrês. Das três Pessoas divinas só o Filho encarnou e morreu por nós.
Nos anos de 218 e219 foi eleito papa s. Calisto. Fora combatido por Hipólito e por Tertuliano. Opapa Calisto tornou público um decreto que prometia absolvição canônica a todaa espécie de pecadores, contando que se sujeitassem à correspondentepenitência. Muitos se alegraram com esta compreensão e mansidão do sucessor dePedro, que recebera os poderes de Cristo para salvar e não condenar, para abriras portas do céu aos homens de boa vontade e não as fechar. Mas assim um certorigor de rigoristas, personificados na África por Tertuliano, já cismático, eem Roma por Hipólito, levantou-se uma poeira de calúnias, tergiversações eatitudes.
Sempre a verdade e a virtude foram a medida e discrição,perante o extremismo inconsiderado e intemperante do erro e da heresia. Nadamais conforme ao Coração bondoso e manso de Jesus, que a bondade e perdãodiante do pecador arrependido, que aceita a penitência para satisfazer a culpa.Neste caso, todo o rigor é inimigo da salvação.
São Calisto coroou a vida com o martírio, como Bom Pastorque dá a vida pelas ovelhas. Segundo a tradição mais segura, morreu numarevolta popular contra cristãos e foi lançado a um poço. Mais tarde deram-lhesepultura honorífica no Cemitério de Capedódio, na Via Aurélia, junto do lugardo seu martírio. Assim, se explica não ter sido enterrado na grande necrópoleque ele próprio ampliara e onde foram enterrados S. Zeferino e os Papasseguintes, na parte chamada precisamente Cripta dos papas.