Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
A profecia hebraica é o elemento que diferencia a religião israelitadas outras religiões contemporâneas. É também aquilo que deu a Israeluma perenidade e uma capacidade de sobrevivência que as outrasreligiões não possuíam.
Os profetas de Israel pertencem à categoria dos “portadores depalavra”. Entre os povos e religiões vizinhos a Israel são encontradoshomens com atividade semelhante à deles. Mas em Israel os profetas sedistinguem pelo conteúdo de sua mensagem. Lá são considerados a “bocafalante de Deus no mundo”, falam em nome do Único Deus a um povoeleito, com quem esse Deus fez aliança de amor. O profetismo em Israelrepousa, pois, sobre o caráter próprio das relações entre Deus e opovo, tais como foram vividas ao longo da história desse povo.
A partir do século VII, o profetismo bíblico atinge seu apogeu. Deus sedirige a seu povo, ameaçado por imensas catástrofes que se avizinham,uma série de mensageiros que só desejam uma coisa: recolocar o povo nocaminho reto da relação com seu Deus e na proximidade tangível epalpável de sua presença. Não são adivinhos, não predizem o futuro. Comuma sensibilidade refinada e um fogo de amor ardendo no peito, osprofetas clamam para chamar a atenção do povo, a fim de que volte àAliança.
Algumas linhas marcam o discurso de todos os profetas: a defesa dajustiça e do direito em Israel; a atitude crítica diante de práticasreligiosas vazias que não têm correspondência com a vida; um particularinteresse pela história que se torna, graças à intervenção profética,uma palavra de Deus; a espera vigilante das ações divinas querevolucionarão o destino do povo.
Os profetas não são chefes políticos revolucionários, nem ideólogosde partidos. Trazem, porém, a grande novidade do espiritualismo libertode toda rigidez cultual. Dirigem-se a um povo para falar-lhe em nome deDeus. Não fazem teoria, nem enumeram atributos da divindade, mas têmpor objetivo essencial colocar o povo no reto caminho da presença deDeus. Preparam o povo para a vinda e a epifania do Senhor, que seaproxima e se revelará no mundo, dentro da história.
Assim foi e fez João Batista, o maior entre os filhos de mulher, deacordo com o Evangelho. Viu que Jesus de Nazaré era a própria presençade Deus no meio da história, na fragilidade da carne. E anunciou, eapontou: “Eis o cordeiro de Deus!” E pela força dessa notícia enfrentoupoderes e reis, perdendo a vida por sua fidelidade e coragem. Assim foiJesus de Nazaré, o maior de todos os profetas, que dá sentido a todaprofecia antes e depois de sua vinda. Mostrou a presença de Deus nahumildade do amor que se aproxima dos últimos desse mundo,trazendo-lhes paz e vida em abundância.
Assim são os profetas de hoje, nossos contemporâneos, que erguem suavoz sem medo para denunciar injustiças e mostrar o caminho daverdadeira vida. Seria longo enumerá-los. São tantos e tantas, sempreluminosos, sempre perseguidos: Dom Helder Câmara, chamado o bispovermelho; Dom Oscar Romero, metralhado em meio à celebração daEucaristia; Jerzi Popielusko, que cometeu a imprudência de enfrentar orígido regime comunista da Polônia; Dietrich Bonhoeffer, que em meio aoterror nazista renovou a Igreja reformada, foi preso e enforcado;Dorothy Day, a apóstola das ruas novaiorkinas presa uma e muitas vezespor sua incômoda militância. E tantos, e tantas…
A todos e a todas os poderes constituídos perseguiram, mataram sempiedade. Queriam desesperadamente calar sua voz. No entanto, a voz e oensinamento de todos e todas sobrevive, inspirando gerações eiluminando os caminhos da humanidade. Neste Advento, que a figura deJoão Batista e seus companheiros de ambos os sexos nos acompanhem paratermos a força de assumir o compromisso profético a nós dado como graçapelo Batismo.
Não há que ter medo. Pois o próprio Evangelho diz que, se calarem a voz dos profetas, as pedras gritarão.