Certo dia São Francisco de Assis, no desejo de ensinar seus irmãos a orarem, propôs-lhes a seguinte dinâmica: cada irmão sairia em oração, rezando o Pai-Nosso quantas vezes sentisse que deveria rezá-lo. A cada Pai-Nosso deveria colocar uma pedrinha dentro de um saco que levaria consigo. Assim saíram alegres e orantes os irmãos menores, em oração, e São Francisco também. Ao final de um bom momento de oração, encontraram-se todos para partilhar o fruto de suas orações.
Um irmão mostrou, todo feliz, o saco repleto de pedrinhas. Outro irmão fez o mesmo, e assim rivalizavam alegremente quanto ao número de pedrinhas apanhadas (e Pai-Nossos rezados). Olharam então curiosos para Francisco e disseram: “Pai Francisco, imaginamos qua encheste vários sacos, pois és um homem de oração! ” Francisco, meio envergonhado, tomou seu saco e mostrou que dentro havia apenas…uma pedrinha! Os irmãos arregalaram os olhos e disseram: “Pai Francisco, então não conseguiste rezar? ” Francisco respondeu: “Filhinhos, bem que quis rezar muitos Pai-Nossos, mas quando abri a boca e disse: “Pai”, comecei a chorar e não consegui passar da palavra “Pai”…Nosso pai é Deus! Deus é nosso Pai! Quanta doçura nessa verdade! Como continuar a falar diante dessa verdade arrebatadora? Deus é nosso Pai! ” Os irmãos, orgulhosos de terem também Francisco por pai, envergonharam-se por terem “competido” entre si em suas orações…
Santa Teresinha explica Francisco: «Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria»[1]A oração é coisa do coração. É nossa alma que olha para Deus e lhe fala, e O ama, e diz sua gratidão às vezes sem palavras, apenas por suspiros, como um apaixonado que suspira por sua amada. Por isso São João Damasceno afirma que “a oração é a elevação da alma para Deus.”[2]
Qualquer pessoa pode rezar, porque todo ser humano sente, vibra, sofre, tem sede de Amor Infinito. A Samaritana, que tinha uma vida toda de pecado, sabia rezar, porque sabia dizer a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água para que eu não tenha mais sede...”(Jo 4,15) Também é conhecida a história do camponês que o Cura d’Ars via todos os dias em silêncio durante um bom momento, na igrejinha de Ars. O Santo Cura d’Ars, sabendo que aquele homem não sabia ler nem escrever, e jamais havia estudado, fez-lhe a pergunta: “O que fazeis aqui, meu filho? ”. O camponês respondeu: “Venho rezar todos os dias nesse horário, padre. ” “E como rezais? ” “Eu o olho e Ele me olha, padre. Eu o admiro e Ele me admira.” Que linda lição de oração! O Catecismo da Igreja Católica diz que é o coração que ora (cf.CIC 2562). Todos nós temos um coração! Todos temos uma vida interior. O que precisamos fazer é direcioná-la para Deus, como fez Francisco, com o seu coração que estremeceu com a palavra “Pai” e dela não saiu, porque encontrou o Pai ao rezá-la com o coração.
Uma partilha pessoal
Santa Teresinha diz ainda que a oração é o grito da alma nas tribulações, nas dores de nossa pobre vida neste exílio. Partilho com você um testemunho pessoal: há 11 anos minha esposa descobriu um tumor na cabeça, ao ter uma hemorragia cerebral. Ela tinha 31 anos, e um dia antes estava cheia de vigor e alegre, feliz vivendo sua vocação Shalom e sua vocação matrimonial (éramos recém-casados). No dia seguinte teve uma horrível dor de cabeça, não sentiu mais os membros inferiores, e a levei ao hospital. Fez exame e veio a sentença: tumor no cérebro que havia sangrado. Precisava ser operada urgentemente. Era uma hora da manhã e pude ficar ao seu lado na U.T.I porque não se sabia se iria sobreviver à noite para ser operada durante o dia. Lembro-me que, em estado de choque, vendo-a quase inconsciente balbuciando palavras incompreensíveis, peguei meu terço e comecei a rezá-lo.
Mas não conseguia concatenar as ideias. Rezava em uma conta: “Ave”, em outra “Maria”, em outra “Santa Maria”, em outra apenas “Mãe”…e aquelas dezenas de terços aparentemente mal rezados, eram a expressão do meu coração, o grito de minha alma, um simples olhar voltado para o Céu. Nunca me senti tão próximo a Nossa Senhora como naquele dia. Eu experimentei o que é rezar em espírito e em verdade. Graças a Deus, hoje minha esposa encontra-se em um quadro estável, vivendo o milagre cotidiano que é a sua vida. Mas partilho com você essa experiência para lhe dizer: rezar não é fácil nem difícil, é um ato vital da alma, do coração, é também um dom do Céu dado pelo Espírito Santo para santos e pecadores, pobres e ricos, inteligentes e simples. A oração é dom de Deus, é respiração da alma, é elevação do olhar interior para Aquele que sabemos que nos ama.
No entanto, diz ainda o Catecismo, “a oração não se reduz ao brotar espontâneo dum impulso interior: para orar, é preciso querer. Tampouco basta saber o que a Escritura revela sobre a oração: é preciso também aprender a rezar. (…) O Espírito Santo é a «água viva» que, no coração orante, «jorra para a vida eterna». É Ele quem nos ensina a recolhê-la na própria Fonte: Jesus Cristo. ” (CIC 2650,2652). É o Espírito Santo que nos ensina a rezar e o faz ao nos colocar em contato com a própria pessoa de Jesus Cristo. Rezar “no Espírito” é permitir que o Consolador nos console não nos dando apenas coisas que passam, mas nos tornando contamporâneos de Jesus pela ação da Sua Graça. Pedir com fé o Espírito Santo, e pedir que Ele nos ensine a rezar, é o segredo da vida interior. O Espírito Santo é o Amor Infinito de Deus, e diz ainda o Catecismo, “o amor é a fonte da oração. Quem bebe dessa fonte atinge os cumes da oração” (CIC 2658). Aprender a rezar é aprender a amar! Amar do jeito de Deus.
Convido você a pegar sua pedrinha (como São Francisco), e a voltar-se agora para Aquele que habita sua alma. Peça ao Espírito Santo que faça jorrar de seu coração a verdadeira oração, que lhe faça rezar hoje como nunca antes você rezou. Quem sabe receberemos de volta aquela santa inocência que nos fazia cantar: “Mãezinha do Céu, eu não sei rezar, só sei te dizer, eu quero te amar! Mãezinha eu quero te ver lá no Céu! ” Amém.
Daniel Ramos de Castro
Missionário da Comunidade de Vida Shalom
[1] Santa Teresinha, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) p. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 276])
[2] S. João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089).