Sim, maternidade é alegria. E aqui falo não somente de gravidez e de parto no sentido biológico, mas do gestar e dar à luz que é igual a amar, e não depende só de carregar a criança no ventre. Pois, ser mãe é ter a alegria de
É a alegria desse amor, do amor em família, do amor que dá a vida pelo outro, que o Papa Francisco dedica as 270 páginas de sua exortação apostólica “Amoris Laetitia”, onde reúne as contribuições dos sínodos sobre a família de 2014 e 2015 e as considerações do pontífice sobre elas. No documento, a alegria da maternidade é apresentada com destaque:
“O próprio Tomás de Aquino explicou « ser mais próprio da caridade querer amar do que querer ser amado », e que de fato « as mães, que são as que mais amam, procuram mais amar do que ser amadas ». Por isso, o amor pode superar a justiça e transbordar gratuitamente « sem nada esperar em troca » (Lc 6, 35), até chegar ao amor maior que é « dar a vida » pelos outros (Jo 15, 13)” [1].
É mais próprio da caridade querer amar do que querer ser amado.
Esse desprendimento que chega a escandalizar e vai na contramão do hedonismo e do individualismo propagados na sociedade continua a acontecer hoje, graças a Deus, e tem poder curador. Uma vez, ouvi uma moça que acabara de ter uma experiência com o amor de Deus dizer que agora compreendia o que fizera a mãe, com quem antes discutia e até xingava: “Ela deu a vida por mim”.
Daquele dia em diante, como fruto do amor conhecido e acolhido, da misericórdia e do perdão mútuo, as duas passaram a conviver bem. Essa pequena história ilustra como as mães “humanas” podem ter virtudes e defeitos, mas, sem dúvida, abrigam-se sob uma graça divina que ultrapassa qualquer limitação.
Elas testemunham a beleza da vida e são capazes de mostrar, “mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral. As mães transmitem, muitas vezes, também o sentido mais profundo da prática religiosa: nas primeiras orações, nos primeiros gestos de devoção que uma criança aprende”, diz o Papa, chamando-lhes “antídoto contra o egoísmo” [2].
Parei aqui a leitura da exortação porque veio à memória um certo vestido azul de poás, e uma gestante que o vestia. Lembrei-me da minha mãe grávida da minha irmã três anos mais nova que eu. Me veio de repente o cheiro dela, sua voz a falar alguma coisa terna para mim e para o bebê, o detalhe da mão sobre o ventre. Ali havia alegria, muita alegria! Foi ela quem nos ensinou a rezar. O Papa fala do calor simples e profundo da fé; esses dois itens eu experimentei diante da lembrança evocada, quase uma oração de louvor.
“Cuida da tua alegria, que nada te tire a alegria interior da maternidade. Aquela criança merece a tua alegria (…) Ocupa-te daquilo que é preciso fazer ou preparar, mas sem obsessões, e louva como Maria: « A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva » (Lc 1, 46-48)” [3].
Ser mãe é guardar no coração o louvor pela vida sempre e transmiti-lo ao filho. É viver a alegria.
[1] Amoris Laetitia, 102.
[2] Ibidem, 174.
[3] Ibidem, 171.
Emanuele Sales
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