A graça divina nos insere num caminho rumo ao Céu. Agora convém nos perguntar: qual é a importância e a necessidade da vida interior neste caminho rumo ao céu? É um chamado apenas para alguns ou para todos? Quero responder estas perguntas ao longo deste artigo.
A partir da experiência com o amor de Deus e com a graça do batismo, começamos a trilhar o que chamamos de caminho de salvação, que consiste em, através dos nossos atos livres, acolher a salvação que Jesus Cristo nos obteve. Ora, sabemos que não é pelos nossos méritos que obtemos a salvação (como se nós pudéssemos salvar a nós mesmos!), mas que o Cristo, pelo mistério pascal, já nos obteve a salvação, e o caminho que trilhamos é, portanto, de acolhida desta salvação que nos permite a entrada no céu.
Salvação e santidade
Pois bem, esse caminho de salvação não é diferente do caminho da santidade. Garrigou-Lagrange reprova o pensamento que apresenta a salvação e a santidade como dois conceitos apartados, pois segundo ele, os que entram no céu são os santos. Só os santos entram no céu, ou seja, só os santos são salvos.
Ensina o frade dominicano:
“Muitos parecem pensar: a final de contas, basta-me ser salvo; não é necessário ser um santo. Evidentemente, não é necessário ser um santo que faça milagres e cuja santidade seja oficialmente reconhecida pela Igreja; mas, para ser salvo, é preciso percorrer o caminho da salvação, e este é ao mesmo tempo o caminho da santidade: no céu não haverá senão santos. [1]”
Santidade e reconhecimento público
Como o teólogo francês indica, ao falarmos em “santo”, não nos referimos necessariamente aos homens e mulheres canonizados. Há muitos cristãos que entram no céu, seja logo após a morte ou depois de um tempo no purgatório, que não constam no cânon romano, ou seja, que não são reconhecidos publicamente como santos. Garrigou-Lagrange explica qual é a santidade necessária para ser salvo: “ninguém entra no céu se não tiver essa santidade que consiste em estar puro de todo pecado. [2]”
Uma purificação necessária
A santidade é a purificação do mal do pecado. De fato, é a isto que se refere a bem-aventurança: “Felizes os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5, 8). Este versículo extraído do Sermão da Montanha presente no Evangelho de Mateus fala de uma condição para ver a Deus. Cabe destacar que a expressão “ver a Deus” é sinônimo de entrar no céu, pois, no céu “veremos Deus”, O conheceremos como Ele se conhece.
Mas afinal, o que é a pureza?
O termo puro na sua raiz grega é kathanos, que significa “livre de mancha”. Ora, qual é a mancha que o cristianismo admite como fonte de todo mal e sofrimento na vida do homem? O pecado.
Para ver Deus temos que estar livres do pecado e esse é o objetivo da vida interior: nos levar a nos examinar para identificar as nossas faltas, nos deixar curar pela misericórdia e nos impulsionar a buscar a graça que nos capacita a fazer o bem e evitar o mal. A vida interior nos leva a união com Deus pela separação com o pecado.
Reconhecimento das nossas faltas
“Mas, todos somos pecadores”. Sim, somos e devemos ter clara essa noção, como os santos tiveram, para não cair no erro da presunção e no engano profundo a respeito de nós mesmos. Contudo, esta consciência não deve suscitar em nós o desespero (o que em si mesmo é um pecado contra a virtude teologal da esperança), nem o conformismo que nos leva a pensar com mediocridade: “ah, sou pecador mesmo, então vou me entregar ao pecado”. Com essa atitude não chegaremos a lugar nenhum. Nem nessa vida nem na próxima!
Impulsionados pela virtude da esperança
A consciência de que somos pecadores deve nos impulsionar a nos lançarmos nos braços de Deus e a nos abandonarmos inteiramente na Sua graça, pois somente pela graça o homem pode não pecar. Você sabia que a graça de Deus pode fazer um homem viver sem pecar? [3] Pois bem, a vida interior é um caminho que consiste em dar cada vez mais espaço à graça divina para que o Espírito Santo nos faça viver uma vida livre do pecado, ou seja, uma vida santa.
Considerações finais
A verdade é que não podemos ver a Deus se não somos puros, livres do pecado, e que só assim poderemos gozar a beatitude proclamada na bem-aventurança. É aí que reside a importância da vida interior. Não podemos ser salvos se não somos santos e a santidade passa por este caminho. Por isso, afirmamos que a vida interior é necessária para todos. Nunca deixe de cultivar a sua! Que Deus lhe dê a graça da perseverança.
[1] Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, R. As três idades da vida interior – Tomo I. São Paulo: Cultor de livros, 2018. pág. 3.
[2] Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, R. As três idades da vida interior – Tomo I. São Paulo: Cultor de livros, 2018. pág. 3.
[3] Cf. SANTO Agostinho, A graça (I), São Paulo: Paulus, 1998, 2 – A natureza e a graça, cap. IX.