Institucional

Os significados da dor e da Cruz

comshalom

12023213_10206080853314748_2097811955_nNo dia 14 de setembro, celebramos a festa da Exaltação da Santa Cruz. Celebrar a Cruz e exaltá-la não significa cultuar o sofrimento, como se ele fosse capaz de nos redimir por si só. Nesse artigo vamos refletir, sobre nossas cruzes e dores de cada dia. Que ele te ajude a descobrir, como o sofrimento imerecido, mas unido a Cristo é redentor.

Sempre me chocaram, sobretudo, os sofrimentos não merecidos, as frustrações recebidas sem motivos aparentes. Nunca entendi a dor das pessoas justas, conscientes, boas. Quem nunca foi ferido muitas vezes e nunca se perguntou: por que eu? Por que justo eu? Quanta incompreensão, raiva, inveja, proibições, desilusões, afetos destruídos e violentados.  A dor é inerente à condição humana.

No ponto de vista científico, a dor não tem um fim em si mesma, mas é antes de tudo, um sintoma, um sinal de que alguma área do nosso ser  necessita de atenção, de cuidados especiais. Podemos classificar a dor, pelo menos para fins de reflexão, em três níveis: físico, psicológico e espiritual.

A dor física causa incômodo estando em qualquer parte do corpo. Para esta é mais fácil encontrar solução e alivio. Neste processo o auxílio da medicina é uma alternativa geralmente utilizada. A dor psicológica, por sua vez, manifesta-se num nível mais profundo que a primeira. Dentre suas conseqüências podemos sentir: angústia, ansiedade, medo, tristeza, raiva etc.

É um pouco mais complexa e torna-se mais difícil descobrir a causa, bem como o alivio. Esta necessita, em casos mais graves, da terapia de um profissional.

Por fim, a dor ignorada por alguns especialistas, a espiritual. Manifesta-se com características parecidas com as das duas primeiras. Às vezes se sente dores no corpo, outras vezes dentro do peito, como nos costumam dizer algumas pessoas.

O que se sabe é que a dor espiritual é, muitas vezes, dilacerante para a alma e podem causar muitas prisões. Nesta dor existe uma dimensão de mistério quando se trata daquela situação em que não conseguimos descrever o que se passa dentro de um coração e dentro de uma alma.

Certa vez, no ministério de aconselhamento, uma mulher me surpreendeu com a seguinte afirmação: “Estou com uma dor na minha angustia!” Pareceu-me uma grande redundância, mas fiquei a pensar no que ela queria dizer com essa afirmação. Depois entendi que era uma dor tão profunda, que estava num nível espiritual. Após uma boa revisão de vida e confissão sacramental ela testemunhou estar curada.

Importante é compreendermos que só Deus pode aliviar uma dor como essa. Isso não impede, é claro, de em alguns casos procurarmos ajuda profissional. As dores espirituais não raramente estão associadas a ressentimentos e à culpa. Sem duvida, a culpa é uma grande prisão espiritual e nos afasta de Deus porque passamos a acusá-lo como o causador da nossa infelicidade, o que não pode ser verdade.

O homem hodierno tornou-se inimigo da dor e  do desconforto (utilitarismo: cultura do descartável). As empresas de publicidade têm faturado milhões em propagandas com os chamados produtos do bem estar, que vai desde o conforto tecnólogo, os analgésicos, a objetos mais fúteis. Não me refiro às necessidades legitimas quando se trata de alguma patologia. Mas daquela indisposição mesmo para o sacrifício que não raramente nos transformam em escravos do prazer e do bem estar.

A dor, desde a antiguidade – para muitos povos e civilizações – era vista como a ponte intermediária entre  a vida e a morte. Um salto significante veio dar o Cristianismo na compreensão e vivência da dor como uma ponte e não como fim. Em Jesus Cristo a cruz é exaltada é elevada, é colocada como degrau para uma subida. Parece mesmo que a dor passa a ter a sua “dignidade”.

Alguém poderia me perguntar: mas existe dignidade na dor e na cruz? Respondo: a dor  pela dor, não tem dignidade alguma, apenas se enquadraria como sadismo. Mas eu posso, com o auxilio da graça, dignificar a dor assim como Jesus dignificou a cruz, que era símbolo máximo de ignomínia, dos condenados e dos perdidos.

N’Ele a cruz se tornou o símbolo máximo dos remidos, dos salvos. Em Jesus, portanto, a dor não se assemelha aos umbrais da morte por onde fatalmente o homem deve passar, mas o prelúdio da vida sem ocaso, da vida verdadeira. Não estamos queremos dizer que temos que sofrer e sentir dor, ficar procurando cruzes para viver a alegria e termos a vida mas que a cruz faz parte do caminho do Cristão, assim a cruz a dor deve ser – a exemplo do que aconteceu em Cristo – um prelúdio para a vida e não ocasião de desespero e morte.

Quando a dor é vivida unida ao sacrifício da cruz de Cristo se torna passagem, páscoa. A dor para ser sinal de redenção depende do modo como  me posiciono diante dela. Muitos santos tiveram a dor e a cruz como uma grande companheira de jornada nos caminhos do Senhor.

O que dizer de Pe. Pio, que durante cinquenta anos suportou em paz – em meio a  grandes lutas e sofrimentos – as dores dos sinais da paixão no seu próprio corpo? O que dizer de Madre Teresa de Calcutá, que na maior parte de sua vida viveu uma longa e dolorosa noite escura, a qual lhe exigiu batalhas diárias em busca de uma mínima centelha de esperança para continuar?

E por que não falar do grande João Paulo II, que desde o atentado sofrido, suportou um longo e doloroso calvário, e nos últimos dias que antecederam sua páscoa deu-nos um testemunho eloquente de coragem e fé! Os Santos foram homens como nós. Viveram uma vida virtuosa e deram testemunho da santidade de vida  porque foram amigos de Deus. Esta amizade decorre da graça que age nas nossas misérias com a permissão da nossa liberdade, abrindo-nos para o amor.
Viver o mistério da dor e da cruz, exaltá-la em nossa vida só é possível mediante a vivência do amor, que brota do próprio amor de Deus.  Este amor é santo, justo e tem um percurso para as nossas vidas chamado providência.

Por isso este amor não se limita a livrar-nos das peripécias da vida mas enriquece de sentido nossa existência, elevando a dor à categoria de amor recebido e doado. A cruz como símbolo da maldição a de salvação.

O importante psicólogo Victor Frankl, que usou como ambiente de pesquisa o campo de concentração nazista, diz-nos: “quem tem sentido de vida pode suportar qualquer coisa. Se eu vejo a dor e a cruz como minha inimiga, ela se precipita sobre mim e me devora; ao contrario, se eu a vejo como minha aliada, ela me redime, me amadurece, faz de mim uma pessoa melhor”.

Posso testemunhar que exaltando a cruz do dia a dia com o amor  aprendo  muitas coisas. E uma das maiores lições que a cruz me ensina é que eu sou gente e estou vivo. E só os vivos podem louvar a Deus, na dor ou na alegria.

Quando eu não mais sentir dor e a cruz não se fazer mais presente é por que morri e já não posso lutar, nem fazer nada por mim mesmo, a não ser confiar-me à misericórdia de Deus e às orações dos que deixei para trás nos frutos do amor construído.

Obrigado Senhor, pelas dores e cruzes de cada instante, em que sou chamado a ofertar no altar do silêncio de modo alegre e amoroso, as minhas humildes ofertas. Que minhas dores e cruzes exaltadas com amor, se convertam naquela porção diária de louvor a ti, Senhor, e suba até aos céus como incenso de agradável odor.

Rodrigo Santos

missionário da Comunidade Católica Shalom


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *