No dia 14 de setembro, celebramos a festa da Exaltação da Santa Cruz. Celebrar a Cruz e exaltá-la não significa cultuar o sofrimento, como se ele fosse capaz de nos redimir por si só. Nesse artigo vamos refletir, sobre nossas cruzes e dores de cada dia. Que ele te ajude a descobrir, como o sofrimento imerecido, mas unido a Cristo é redentor.
Sempre me chocaram, sobretudo, os sofrimentos não merecidos, as frustrações recebidas sem motivos aparentes. Nunca entendi a dor das pessoas justas, conscientes, boas. Quem nunca foi ferido muitas vezes e nunca se perguntou: por que eu? Por que justo eu? Quanta incompreensão, raiva, inveja, proibições, desilusões, afetos destruídos e violentados. A dor é inerente à condição humana.
No ponto de vista científico, a dor não tem um fim em si mesma, mas é antes de tudo, um sintoma, um sinal de que alguma área do nosso ser necessita de atenção, de cuidados especiais. Podemos classificar a dor, pelo menos para fins de reflexão, em três níveis: físico, psicológico e espiritual.
A dor física causa incômodo estando em qualquer parte do corpo. Para esta é mais fácil encontrar solução e alivio. Neste processo o auxílio da medicina é uma alternativa geralmente utilizada. A dor psicológica, por sua vez, manifesta-se num nível mais profundo que a primeira. Dentre suas conseqüências podemos sentir: angústia, ansiedade, medo, tristeza, raiva etc.
É um pouco mais complexa e torna-se mais difícil descobrir a causa, bem como o alivio. Esta necessita, em casos mais graves, da terapia de um profissional.
Por fim, a dor ignorada por alguns especialistas, a espiritual. Manifesta-se com características parecidas com as das duas primeiras. Às vezes se sente dores no corpo, outras vezes dentro do peito, como nos costumam dizer algumas pessoas.
O que se sabe é que a dor espiritual é, muitas vezes, dilacerante para a alma e podem causar muitas prisões. Nesta dor existe uma dimensão de mistério quando se trata daquela situação em que não conseguimos descrever o que se passa dentro de um coração e dentro de uma alma.
Certa vez, no ministério de aconselhamento, uma mulher me surpreendeu com a seguinte afirmação: “Estou com uma dor na minha angustia!” Pareceu-me uma grande redundância, mas fiquei a pensar no que ela queria dizer com essa afirmação. Depois entendi que era uma dor tão profunda, que estava num nível espiritual. Após uma boa revisão de vida e confissão sacramental ela testemunhou estar curada.
Importante é compreendermos que só Deus pode aliviar uma dor como essa. Isso não impede, é claro, de em alguns casos procurarmos ajuda profissional. As dores espirituais não raramente estão associadas a ressentimentos e à culpa. Sem duvida, a culpa é uma grande prisão espiritual e nos afasta de Deus porque passamos a acusá-lo como o causador da nossa infelicidade, o que não pode ser verdade.
O homem hodierno tornou-se inimigo da dor e do desconforto (utilitarismo: cultura do descartável). As empresas de publicidade têm faturado milhões em propagandas com os chamados produtos do bem estar, que vai desde o conforto tecnólogo, os analgésicos, a objetos mais fúteis. Não me refiro às necessidades legitimas quando se trata de alguma patologia. Mas daquela indisposição mesmo para o sacrifício que não raramente nos transformam em escravos do prazer e do bem estar.
A dor, desde a antiguidade – para muitos povos e civilizações – era vista como a ponte intermediária entre a vida e a morte. Um salto significante veio dar o Cristianismo na compreensão e vivência da dor como uma ponte e não como fim. Em Jesus Cristo a cruz é exaltada é elevada, é colocada como degrau para uma subida. Parece mesmo que a dor passa a ter a sua “dignidade”.
Alguém poderia me perguntar: mas existe dignidade na dor e na cruz? Respondo: a dor pela dor, não tem dignidade alguma, apenas se enquadraria como sadismo. Mas eu posso, com o auxilio da graça, dignificar a dor assim como Jesus dignificou a cruz, que era símbolo máximo de ignomínia, dos condenados e dos perdidos.
N’Ele a cruz se tornou o símbolo máximo dos remidos, dos salvos. Em Jesus, portanto, a dor não se assemelha aos umbrais da morte por onde fatalmente o homem deve passar, mas o prelúdio da vida sem ocaso, da vida verdadeira. Não estamos queremos dizer que temos que sofrer e sentir dor, ficar procurando cruzes para viver a alegria e termos a vida mas que a cruz faz parte do caminho do Cristão, assim a cruz a dor deve ser – a exemplo do que aconteceu em Cristo – um prelúdio para a vida e não ocasião de desespero e morte.
Quando a dor é vivida unida ao sacrifício da cruz de Cristo se torna passagem, páscoa. A dor para ser sinal de redenção depende do modo como me posiciono diante dela. Muitos santos tiveram a dor e a cruz como uma grande companheira de jornada nos caminhos do Senhor.
O que dizer de Pe. Pio, que durante cinquenta anos suportou em paz – em meio a grandes lutas e sofrimentos – as dores dos sinais da paixão no seu próprio corpo? O que dizer de Madre Teresa de Calcutá, que na maior parte de sua vida viveu uma longa e dolorosa noite escura, a qual lhe exigiu batalhas diárias em busca de uma mínima centelha de esperança para continuar?
E por que não falar do grande João Paulo II, que desde o atentado sofrido, suportou um longo e doloroso calvário, e nos últimos dias que antecederam sua páscoa deu-nos um testemunho eloquente de coragem e fé! Os Santos foram homens como nós. Viveram uma vida virtuosa e deram testemunho da santidade de vida porque foram amigos de Deus. Esta amizade decorre da graça que age nas nossas misérias com a permissão da nossa liberdade, abrindo-nos para o amor.
Viver o mistério da dor e da cruz, exaltá-la em nossa vida só é possível mediante a vivência do amor, que brota do próprio amor de Deus. Este amor é santo, justo e tem um percurso para as nossas vidas chamado providência.
Por isso este amor não se limita a livrar-nos das peripécias da vida mas enriquece de sentido nossa existência, elevando a dor à categoria de amor recebido e doado. A cruz como símbolo da maldição a de salvação.
O importante psicólogo Victor Frankl, que usou como ambiente de pesquisa o campo de concentração nazista, diz-nos: “quem tem sentido de vida pode suportar qualquer coisa. Se eu vejo a dor e a cruz como minha inimiga, ela se precipita sobre mim e me devora; ao contrario, se eu a vejo como minha aliada, ela me redime, me amadurece, faz de mim uma pessoa melhor”.
Posso testemunhar que exaltando a cruz do dia a dia com o amor aprendo muitas coisas. E uma das maiores lições que a cruz me ensina é que eu sou gente e estou vivo. E só os vivos podem louvar a Deus, na dor ou na alegria.
Quando eu não mais sentir dor e a cruz não se fazer mais presente é por que morri e já não posso lutar, nem fazer nada por mim mesmo, a não ser confiar-me à misericórdia de Deus e às orações dos que deixei para trás nos frutos do amor construído.
Obrigado Senhor, pelas dores e cruzes de cada instante, em que sou chamado a ofertar no altar do silêncio de modo alegre e amoroso, as minhas humildes ofertas. Que minhas dores e cruzes exaltadas com amor, se convertam naquela porção diária de louvor a ti, Senhor, e suba até aos céus como incenso de agradável odor.
Rodrigo Santos
missionário da Comunidade Católica Shalom
Que lindo ❤️