No momento atual, fomos pegos de surpresa ante a necessidade de mudanças radicais nas formas de organização social, familiar, do trabalho e, sobretudo, da saúde.
Acostumados a um cotidiano que a todo momento nos lança “para fora”, nós somos marcados pelo cansaço, pela produtividade, pelo imediatismo e pela correria. Muitas exigências, muitas atividades, muitos compromissos! Esta maneira que vamos nos relacionando com o mundo, com as atividades e com as outras pessoas deixam marcas em nós. Desaprendemos a parar!
Durante a quarentena, exceto os profissionais de saúde, segurança e prestadores de serviços de necessidades primárias (que continuam na labuta, em vista do bem comum); a maioria de nós somos convidados – ou melhor, convocados! – a parar.
O fato de que somos livres
A situação é essa, está dada. E diante destas circunstâncias, a ideia mais imediata é de que não temos saída. Será isso mesmo? Não temos alternativas? O fato de que somos livres é condição da existência humana e, dessa forma, nos acompanha até mesmo nos contextos mais adversos. Somos seres de e para a liberdade.
Somos livres para aderir ou não às medidas de cuidados com a saúde; somos livres para viver a solidariedade ou cultivar o egoísmo; somos livres para semear o pânico, o desespero e também somos livres para permitir brotar a esperança dentro de nós e sermos instrumentos de sua propagação ao nosso redor; somos livres para olhar somente os desafios desse momento, assim como somos livres para enxergar as oportunidades de aprendizado que o isolamento social pode nos trazer.
Precisamos (re)aprender
Precisamos (re)aprender a parar, a silenciar, a estar dentro! Antes de “saber” estar dentro de casa, o convite é: aprender a habitar dentro de si mesmo. Revisitar sonhos, projetos… Questionar-se sobre “como eu estou vivendo?”; “como eu tenho cultivado meus relacionamentos?”. Trata-se de um bendito desafio, tendo em vista, que o mundo fala muito – grita, na verdade – e, neste contexto, feliz é aquele que aprende a ouvir a voz do silêncio e a dialogar consigo mesmo.
Precisamos (re)aprender a olhar e deixar-nos tocar pelas miudezas da vida, as quais, muitas vezes, naturalizadas, nos acostumados à indiferença e já não valorizamos mais. Ser grato por sair da cama para poder ir ao trabalho/universidade quando o corpo pede por mais 5 minutinhos de sono e despertador no modo soneca; o “bom dia” com aperto de mão; os abraços e beijos calorosos; o ônibus e a sala de aula cheios; as reuniões familiares que nos permitem alimentar a memória; as saidinhas com os amigos que nos roubam boas risadas; os encontros que aquecem o coração! É tempo de ser grato pelo que temos, ser grato pelo que tínhamos e sonhar viver diferente aquilo que desejamos, em breve, ter novamente.
Num mundo que nos diz a todo tempo para ser forte, que devemos buscar estar no controle das coisas e que é marcado pelo discurso do “querer é poder”, precisamos (re)aprender que somos limitados, não temos controle da nossa vida e que essa fragilidade diz respeito a nossa condição de homens e mulheres. E quer saber? Está tudo bem!
Precisamos (re)aprender a sentir. Sentir? Sim! Porque já fugimos demais das nossas angústias. Sentir medo, chorar, ficar triste… Sentir, mas não parar aí. Sentir e vislumbrar a esperança como um caminho possível para dar novo sentido ao vivido. Isso nos torna plenamente humanos!
Somos seres de relação
Se apresenta a nós a oportunidade de viver experiências desejadas e sempre adiadas com a justificativa do “não tenho tempo”: A conversa demorada com quem a gente ama; olho no olho com o pai e/ou a mãe; escutar e “ser um” com o cônjuge; brincar com as crianças e ler para elas; enxergar e se fazer presente nos dilemas vividos pelos filhos adolescentes; ligar para o amigo e fazer aquela chamada de vídeo para matar a saudade de quem não se vê a muito tempo…
Nós somos, constitutivamente, seres de relação. Estamos sempre em relação com os outros, ainda que esta relação seja marcada pela ausência. O outro está em nós assim como nós estamos nos outros, seja pela indiferença, seja pelo amor que lhes dedicamos ou pela saudade que sentimos.
Desta forma, precisamos (re)aprender a estar-com, a ser-com. Ser-com Deus, à medida que alimentamos nossa vida espiritual; ser-com os outros, quando cultivamos e alimentamos nossas relações com presença significativa e afetiva; e, por fim, ser-com consigo mesmo, quando nos reencontramos com aquilo que há de mais próprio em nós e que havíamos esquecido pelas andanças no mundo.
Já nos ensinava o Pequeno Príncipe que “o essencial é invisível aos olhos”. Queiramos nós, ao final desta quarentena, ter (re)aprendido que o essencial pode até ser invisível aos olhos, mas pode ser bem palpável ao coração.
Milena Rodrigues
Discípula da Comunidade de Aliança na Missão de Natal/RN e Psicóloga