E se pudéssemos fazer uma leitura do Sacramento da Eucaristia a partir da lente do Amor Esponsal?
Podemos fazer, perfeitamente, uma leitura esponsal do Sacramento da Eucaristia a partir do estudo da Teologia do Corpo… de Cristo! Evidentemente, não em forma de Tratado de Teologia Eucarística, longe disso, mas apenas apresentar uma diferente perspectiva – e apaixonada! – do amor ardente de Cristo por cada um de nós (Cf. Lc 22,14) e despertar nosso desejo de responder a esse amor.
O Amor Esponsal na Bíblia
O Amor Esponsal entre Deus e a humanidade está presente em toda a Bíblia. Para começar, ela foi escrita entre dois casamentos: o do Livro do Gênesis nas primeiríssimas páginas (Adão e Eva) e o do Livro do Apocalipse nas últimas (Cristo e a Igreja).
No meio das Sagradas Escrituras, temos o Livro do Cântico dos Cânticos, que parte do amor erótico da nossa relação com Deus e que, diga-se de passagem, foi o texto mais usado por grandes místicos como São João da Cruz, Santa Teresa D’Ávila, Santa Teresinha, dentre outros. Além disso, temos diversas outras histórias e salmos bíblicos que nos mostram um Deus apaixonado.
Por que a Bíblia fala tanto de Amor Esponsal e o que isso tem a ver com a Solenidade do Corpo de Cristo? São Paulo nos explica na carta aos Efésios (Ef 5,33) que os maridos devem amar suas esposas como o próprio Cristo amou sua Igreja e se entregou por ela. Uau! E como Cristo amou sua Esposa, a Igreja, e se entregou por ela? Entregando seu Corpo por ela na Cruz! “Isto é o meu Corpo entregue por vós“! E as esposas devem ser submissas aos seus maridos como a Igreja o é a Cristo. Submissão: palavra que incomoda nossa mentalidade contaminada pelo feminismo radical, que coloca homens e mulheres como concorrentes e não “auxiliares que se amam e se complementam” (Cf. Gn 2,18.23-24).
A submissão
Submissão significa estar ‘debaixo da missão’, ou seja, a Igreja acolhe o sacrifício de Cristo na Cruz por ela, acolhe seu amor e o dom de si que lhe faz o Divino Esposo. Assim também, a mulher acolhe o dom do esposo a ela, ambos na mútua submissão (Ef 5,21), pois os dois caminham juntos para o Céu. Um sinal deste, é a entrega do corpo do homem à sua esposa que o acolhe, em um amor livre, total, fiel e fecundo.
Assim, São Paulo fala de um grande mistério escondido em Deus desde toda a Eternidade: Deus é uma comunhão de pessoas, uma comunhão de Amor entre as Pessoas da Trindade: o Amante (Pai), o Amado (Filho), que se dão eternamente em amor um ao outro, em um Amor tão recíproco que é uma Terceira Pessoa (o Espírito Santo). Homem e mulher que se unem no ato conjugal no Matrimônio expressam esse grande mistério.
Expressam, ainda, o mistério da participação nessa ‘dança’ de Amor da Trindade ao nos unir a Cristo, o Divino Esposo! Deus quer nos fazer extremamente felizes, e mesmo o maior prazer que experimentamos nesta terra, mesmo o prazer do ato sexual é infinitamente menor do que o que viveremos eternamente no Céu, no Banquete do Cordeiro, na Festa das Núpcias! Só precisamos “fechar o guarda-chuva” e deixar que esse amor nos tome (e nos inunde) por inteiro!
Sacramento: sinal visível da graça
Como se sabe, Sacramento é um sinal visível e eficaz de uma graça invisível. A união entre o homem e a mulher fala do nosso Matrimônio Espiritual com Cristo. Mas, o Matrimônio não somente é um Sacramento, mas o protótipo de todos os outros sacramentos! Podemos fazer essa leitura da ‘economia sacramental’ a partir da Teologia do Corpo. Inclusive, da Santíssima Eucaristia, o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Vejamos o que acontece sobre o altar na Santa Missa: Apresentamos ao Senhor o pão e o vinho. O que significa isso? Esses sinais nos recordam a pessoa de Jesus na Última Ceia, repartindo-os entre seus apóstolos. É algo tão fundamental que encontramos o relato dessa cena em todos os Evangelhos sinóticos (Mt 26,26-29, Mc 14,22-26 e Lc 22,14-20), bem como no relato de São Paulo (1Cor 11,23-27).
São Paulo fala sobre a Eucaristia exatamente antes de tratar sobre os dons do Espírito dados à Igreja que é Corpo de Cristo (1Cor 12,1-31) e do belíssimo hino sobre o Amor-Caridade (1Cor 13); também lemos sobre a Eucaristia com o olhar de águia do Evangelista São João, com sua capacidade de enxergar realidades teológicas profundas, no discurso de Jesus sobre o Pão da Vida após a multiplicação dos pães (Jo 6,1-66), bem como vemos Jesus, que tendo amado os seus, amou-os até o fim, nos presenteando com o Mandamento da Caridade, “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,1-17), na Santa Ceia.
A Eucaristia é a chave para entender e viver o Matrimônio, lhe dando pleno significado. O Matrimônio é o protótipo da Eucaristia. Vamos entender isso a seguir.
O ofertório da Missa – relato de Melquisedec, no tempo de Abraão (Gn 4,17-20)
No Antigo Testamento, costumamos ver os sacerdotes oferecerem touros, carneiros e bodes sobre o altar, para que aqueles animais morressem pelos pecados de quem os oferecia, ou seja, no lugar deles. Mas quando Abraão, nosso pai na fé – a partir de quem todas as nações seriam abençoadas – encontra Melquisedec, é este quem abençoa Abraão! Sim, isso, mesmo! Não é Abraão quem abençoa Melquisedec, mas o contrário! Só isso deveria nos causar espanto. E Melquisedec oferece a Deus um sacrifício por Abraão: pão e vinho! Abraão oferece então a ele o dízimo de tudo. A oferta sempre está ligada ao sacrifício na Bíblia.
No ofertório da Missa, junto aos nossos bens materiais – que devolvemos ao Senhor como sinal de tudo o que temos e somos e da entrega da nossa vida -, diante do Altar do Sacrifício Eucarístico, oferecemos também os dons do pão e do vinho. Mas o que é o pão? É o fruto o trigo. Mas que parte específica do trigo? O endosperma do trigo. E o que é o vinho? É o fruto da videira. Vem da uva, que carrega em si a semente que dará a vida! Esses sinais da fertilidade da terra, do masculino e do feminino, triturados e pisados pela oferta diária e pelos sacrifícios, são colocados sobre o altar.
Então, o sacerdote invoca o Espírito Santo, para que venha como um orvalho sobre as oferendas. Então, a fertilidade da terra se torna a fertilidade do Ventre a Virgem Maria que dá à luz ao Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, que se fazem realmente presentes no altar pela transubstanciação. Era pão e vinho, mas agora, sob essa mesma aparência, é Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Ainda no ofertório, o sacerdote, que é um padre (“pai”) e que foi formado em um seminário (“semente”, “sêmen”) in persona Christi – ou seja, na pessoa de Cristo – diz Suas palavras e o mistério se atualiza. O homem que recebe esse Sacramento se torna um sinal visível e eficaz do Esposo que se entrega à Igreja-Esposa. Essa é uma das razões de porque esse ministério foi confiado a homens: para que o sinal corresponda àquilo que significa. Como a água é um sinal que corresponde ao Batismo – ninguém poderia imaginar o Batismo sendo feito com lama. Esse dom foi confiado aos homens, como o precioso dom da Maternidade às mulheres!
Cristo, então, diz à Igreja em cada Eucaristia, no leito do altar, no leito da Cruz, leito das almas esposas: “Isto é o meu Corpo entregue por vós”. O Esposo Eucarístico se entrega à sua Igreja-Esposa. Do Útero da Igreja, que é o Batismo, nascem os novos filhos de Deus: os cristãos. Jesus alimenta a sua Esposa com seu Corpo e Sangue, a banha com as águas do Batismo, unge-a com óleo para separá-la (Crisma, Ordem) e para manifestar um amor que cura (Unção dos Enfermos).
Mesmo quando a feiura o pecado corrompe sua beleza, trazendo manchas e rugas, o Esposo não a vê assim, mas a contempla sempre encantadora, a aprecia e a ama, coloca sobre ela suas mãos e pronuncia aos seus ouvidos “Eu te absolvo de todos os seus pecados”, recriando-a à sua Imagem e Semelhança; e a Igreja permanece bela e sem rugas apesar dos pecados de seus filhos.
Na Cruz, temos Cristo posto como o “Rei dos judeus”. Os judeus traziam em sua carne a marca da circuncisão, um corte sobre o prepúcio do pênis, expondo a glande. Esse era o sinal de união de Deus com o homem no Antigo Testamento. E quem podia ver esse sinal? Homem e mulher casados, no ato conjugal. É um sinal com significado esponsal. Cristo, diferentemente das imagens que temos dele, estava nu na Cruz. Todos podiam ver esse sinal esponsal.
Maria, aos pés da Cruz, não apenas era biologicamente a Mãe de Jesus. Espiritualmente, é o Modelo da Igreja, Esposa de Cristo. “Mulher, eis aí o teu filho”. Aquela Mulher estava em dores de parto, dando à luz a uma nova humanidade. A Igreja era tirada de seu lado aberto como Eva da costela de Adão. No leito da Cruz, nossa humanidade era recriada. E disso a Eucaristia é sinal. “Isto é meu Corpo entregue por vós”.
“Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco” (Lc 22,15). Que esta festa possa nos fazer queimar de Amor pelo Esposo, nos fazendo viver de uma forma nova e apaixonada cada Eucaristia, no leito do altar, acolhendo o dom do esposo, sua semente que gera em nós Vida Eterna, que se dá a nós todo em Amor e que nos transforma dia após dia, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, em um amor livre, total, fiel, fecundo e para sempre, por todos os dias da vida.
Igor Rocha
Missionário da Comunidade de Aliança
Comunidade Católica Shalom
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