No último texto aqui no Comshalom, deixei alguns questionamentos sobre como você se sente na busca pela Verdade e sua autenticidade. E agora, venho aqui falar sobre essas reflexões.
Primeiro, quero reforçar que a autenticidade é completamente diferente de ser dono(a) da verdade. A pessoa que é autêntica, tem sede pela Verdade e reconhece que a Verdade não se deixa encarcerar. Ela se expressa com sua verdade e não com vaidade. Coloca-se à disposição do diálogo e vive aberta ao relacionamento com todos.
De forma sadia, é bem melhor caminhar junto do que se frustrar por ser um só no meio de bilhões e em um mundo em que “só Deus cria, tudo se copia”.
Quando confundimos a autenticidade com a autorreferencialidade, ou seja, a pessoa se torna o parâmetro e não a verdade, corremos o risco de criar uma fantasia/um personagem sobre nós mesmos para gerar uma falsa sensação de “exclusividade” e ao mesmo tempo a ilusão de ser aceito/amado. Por que isso frustra e é ilusório?
Porque já dizia Renato Russo “mentir para si mesmo é sempre a pior mentira”. O primeiro a ser ferido é quem vive de aparência. Seja para se afirmar para si mesmo ou para um grupo.
Vamos aprofundar esse assunto?
No mestrado estudei o sociólogo Anthony Giddens, o qual afirma em suas análises que o excesso de individualidade aqui no Ocidente, gera um efeito reverso. A pessoa se sente tão autônoma que precisa suprir a necessidade de pertencimento a um grupo. E assim, grande parte da sociedade volta-se a grupos extremistas e fundamentalistas em que, ao mesmo tempo tem forte pertencimento, se fecha aos “incômodos” de lidar com o que é diferente.
Como o que acontece com um elástico esticado até seu último limite e é solto, a individualidade levada ao extremo, gera em grande parte das pessoas um efeito de retorno com mais força a seu ponto de partida inicial, que no caso da pessoa humana é a imaturidade no relacionamento com sua liberdade e autonomia. As pessoas voltam a preferir serem mandadas sem pensar, assim como uma criança no relacionamento com seus pais. Delegam sua autonomia à outros que ditam sua maneira de pensar, agir e até mesmo vestir.
Pensa comigo:
1 – A sociedade começou a questionar padrões e regras socioculturais através de uma busca de que a opinião individual está acima do coletivo.
2 – Uma das consequências desse novo sistema ético é que cada pessoa passou a ser então a referência última para seus comportamentos, questionando até mesmo leis vigentes (o que aqui no Brasil nem é tão novidade assim, é o famoso “jeitinho brasileiro”).
3 – Cada pessoa tendo que ser sua própria referência sobre assuntos diversos, até mesmo aqueles em que não tem conhecimento prévio, entra em conflito. Quem já teve que responder a um problema, sabe que quanto mais variáveis temos, mas difícil é encontrar a solução. O mesmo acontece conosco. Temos mais dificuldade de escolha quando as possibilidades são maiores. É a variante daquele guarda-roupa cheio de possibilidades e preferimos comprar peças novas por “não termos nada”.
4 – A busca pela autenticidade e ser amado(a) gera duas respostas comportamentais que vemos muito e precisamos tomar cuidado para não reproduzir:
a) o radicalismo/extremismo: quanto mais nos irritamos com o diferente, mais estamos propensos a esse risco).
b) a auto referencialidade: “farinha pouca, meu pirão primeiro!”hehe no pensamento, eu só concordo com “fatos” que concordam comigo; na prática, vou dar dois exemplos que me deixam perplexa, jovens que não cedem lugar aos mais velhos, no trânsito engarrafado, os carros que não cedem lugar à ambulância e outros carros oficiais.
Você pode pensar: Mas, isso não é novidade, e não é mesmo. Porém são tendências societárias, isto é, a maioria da população ocidental vive como um comportamento aceito. Para quem é uma geração mais velha que a atual, como eu, esses comportamentos eram socialmente considerados agressivos e nocivos.
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E o que isso tem a ver com a busca da Verdade e autenticidade?
Acredite ou não, a Verdade é sempre uma só, vista por tantos ângulos quanto a quantidade de seres humanos que existirem. Em minhas aulas uso um exemplo bem simples: seguro um copo e peço para que os jovens o descrevam. Depois peço para eles citarem a frase que está escrita atrás. Obviamente eles não sabem e é isso que dizem. “Só você sabe, né? Só você está vendo”.
Eu digo a frase escrita e pergunto se eles acreditam que é essa mesmo. Dependendo da entonação com que digo, uns acreditam e outros não. No fim eu mostro pra eles a frase escrita no copo. Mas, e se eu não mostrasse, se eu apenas falasse que era aquela frase e pedisse para confiar em mim. Só porque eles não viram significa que é mentira?
E é aqui que está a relação entre a busca pela autenticidade e o caminho oposto do individualismo em nossa sociedade. A autenticidade surge quando nos entendemos como parte de um todo, uma parte única, sem a qual o mundo não seria o mesmo e que complementa e é complementada pelas outras. Mas, também uma parte que por si mesma seria sem sentido (forte, né? Mas, é o que aprendemos com Jesus e Victor Frankl…rs).
Nossa visão e percepção da Verdade sempre parte do princípio que ela é maior que nós. Ao mesmo tempo em que só pode ser expressa se tivermos coragem de dizê-la, sem cair no risco de considerá-la única e sem se deixar levar por grupos, mentalidades, pessoas que a anulam. Estamos em constante processo de desenvolvimento da Compreensão da Verdade.
Quem pode vir em nosso auxílio nessa busca e desenvolvimento da Autenticidade em nós é Santa Edith Stein. Segundo ela, quem busca a Verdade encontra Deus. E acrescento aqui: o contrário também, para buscar Deus é preciso coragem de buscar a Verdade.
E de que maneira podemos crescer na autenticidade e romper o laço com esse mundo em que: “Todos nascemos originais, mas muitos terminam em cópias?” (Carlo Acutis). Vamos então para as soluções?
1 – O autoconhecimento é o alicerce: Reconcilie-se consigo mesmo(a), com sua história de vida e peça a Deus a graça de reconhecer o Amor Dele por você e de se amar. Vou te pedir um voto de confiança: acredite, fica muito mais fácil se desenvolver e realizar-se depois que passa a conhecer sua verdade.
Você reconhece suas virtudes e talentos que antes não enxergava; direciona o que não está saudável para atitudes que te deixarão mais feliz; e, até mesmo, ressignifica padrões que antes você achava inquestionáveis.
O fato de ser importante, não significa que é fácil. Há quem diga que justamente por ser difícil já é sinal que é fundamental..hehe Esse processo é para a vida inteira, e precisa ter espaço de prioridade em nossas vidas.
Na Comunidade Shalom fazemos isso através do Caminho Ordo Amoris – Ordenar para o Amor. Recomendo a você. E nem é marketing, tá?! Tô aqui como voluntária…kkkkk. Mas, há 12 anos estou nesse caminho e nem imagino o que seria de mim sem ele.
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2 – Busque o equilíbrio entre suas necessidades pessoais e das pessoas ao seu redor. Tenha convívios sociais em que você consiga se expressar e ser contrariado também, de forma mútua e recíproca.
Se a balança entre quem cuida e é cuidado estiver pesando muito para um dos lados, tem algo estranho. Seja na perspectiva do saber, do ter ou do sentir.
Um exemplo desse equilíbrio são os esportes coletivos. Os saberes, os recursos e os sentimentos existem, e são empenhados por cada um em vista de um Bem Comum. As regras precisam ser respeitadas, as estratégias também, mas há espaço para criatividade e autenticidade. Ora um se sacrifica mais, ora outro serve mais, ora outro precisa de descanso, ora um se destaca e no fim todos comemoram ou se frustram, juntos! Agora, me diz a experiência de jogar com quem é “fominha” de bola?rs
Como cristãos, buscamos ter sempre nossa balança para cuidar mais do que ser cuidado. E te afirmo, ser cristão é ser humano, porque para termos sentido de vida e nos sentimos plenos, todo ser humano precisa se sentir contribuindo para o outro. Mas, até mesmo quando buscamos servir sem respeitar quem somos, pode ser prejudicial.
“Qual a medida do Amor?” – Amar sem medida, dirão os amigos de S. Agostinho e os fãs da banda Dom.
Pois é, nossa medida sempre será o Amor. É sempre a da Caridade conforme nos ensina o magistério da Igreja. E o amor está além do fazer, saber e sentir. Amar em atos, em conhecimento e afeto é importante, desde que seja Caridade… Sem a Caridade, de que valeria? (ICor,13).
Irmãos, estamos muito (mas, muito mesmo!!) feridos por esse tempo, afinal somos filhos dele. E portanto, estamos desaprendendo a Autenticidade e Beleza de ser Cristão, disposto ao sacrifício (ao martírio de todos os dias), à renúncia de si mesmo em vista do Evangelho, à coragem de dar respostas do Céu e de Fé para esse mundo sedento de compaixão e misericórdia. Sem vergonha e com muita coragem e autenticidade, precisamos olhar para as situações que nos expõe ao perigo. Precisamos romper com tudo o que nos deforma, para acolher a velha e grande novidade de buscarmos ser quem Deus quer que sejamos.
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