Dom Walmor Oliveira de Azevedo
AIgreja Católica celebrou, mais uma vez, a festa de Corpus Christi. Estacelebração nasceu, séculos atrás, da necessidade e do compromisso demanifestação pública da fé. Esta necessidade e compromisso continuamatuais como exigências na vida dos discípulos e discípulas de JesusCristo. Na verdade, a Eucaristia, mistério que se crê, celebra e évivido, é o programa de vida de todos os que se congregam na Igreja naexperiência indispensável do seguimento a Jesus Cristo. A Eucaristia émistério da fé. É o resumo e a súmula da fé de todos aqueles que crêemem Cristo.
Essaimportância singular da Eucaristia se explicita de modo sintético ecompleto no ensinamento que o Senhor Jesus fez a Nicodemos, naquelanoite quando ele, mestre em Israel, foi se encontrar com o “mestre dosmestres”, num diálogo narrado no capítulo três do Evangelho de SãoJoão: “De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu filho único,para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vidaeterna”. Essas palavras revelam a raiz última do dom de Deus. NaEucaristia Jesus não dá alguma coisa, mas dá-se a si mesmo, ao entregaro seu corpo e derramar o seu sangue. A oferta da totalidade de sua vidamanifesta a fonte originária desse amor. Jesus Cristo é o filho amado eeterno que Deus Pai entregou por nós. Esse é o mistério pascal do qualnasce a Igreja.
AEucaristia é o sacramento por excelência desse mistério pascal. Porisso, a Eucaristia é o centro da vida da Igreja – que nasce e vive daEucaristia. Na celebração eucarística a Igreja volta os olhos da almapara o tríduo da páscoa, paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus,que está guardado e concentrado para sempre no dom eucarístico. A missaé, pois, ao mesmo tempo, e inseparavelmente, o memorial sacrifical emque se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhãodo corpo e sangue do Senhor. O sacrifício redentor de Cristo e o daEucaristia – a missa é um único sacrifício. É nesse momento que tornapresente o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo. Fazei istoem memória de mim é mandato do Senhor Jesus que sela na oferta do seucorpo e sangue uma nova e eterna aliança – que é nova e eterna e afonte da vida perene e de renovação da vida enquanto se atravessa oscaminhos da história nesse tempo.
Dessemistério de amor e de fé nasce e vive a Igreja. Ao manifestarpublicamente a sua fé eucarística, ela se dá a conhecer como Igreja daEucaristia, expondo publicamente as suas raízes e a razões queconfiguram a sua fidelidade e o seu compromisso. A festa de CorpusChristi como manifestação pública se torna, particularmente, aexperiência de um banho, aos olhos do mundo, do qual a Igreja sai maisconsciente de sua identidade e missão, sobretudo com clarividênciascontundentes quanto ao seu compromisso de apostar na caridade. Acomunhão que a Eucaristia gera na Igreja desdobra-se, como prova de suaautenticidade, em caridade, como serviço universal que devefrutificar-se no compromisso de um amor ativo e concreto por cada serhumano. A aposta na caridade é, pois, um desdobramento cotidiano daEucaristia celebrada, e medida da fidelidade da Igreja a Cristo seuesposo.
Aplena comunhão com o Senhor Jesus é, sobretudo, a capacidade de vê-lo,gerando comprometimento, no rosto daqueles com quem Ele mesmo quis seidentificar, quando disse, narra o evangelho de Mateus no capítulovinte e cinco: “Porque tive fome e me destes de comer, tive sede edestes-me de beber; era peregrino e me recolhestes; estava nu e mevestistes; adoeci e me visitastes; estive na prisão e fostes tercomigo”. A Eucaristia como fonte perene de graças para a aposta nacaridade, sem excluir ninguém do amor, aponta na pessoa dos pobres umaespecial presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opçãopreferencial por eles, como sublinha o Papa João Paulo II na sua CartaApostólica, n. 49, para o início do novo milênio. A Eucaristia é pãopartido para vida do mundo. É uma luz que se projeta sobre as sombrasdesse tempo interpelando a sensibilidade cristã, com a ingente tarefade ajudar a purificar a razão contemporânea de sua gravíssima cegueiraética, derivada, como recorda o Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica,“Deus Caritas est”, n.28, do interesse e do poder que a deslumbra,perigo nunca totalmente eliminado.
Ora,continuam as contradições de um crescimento econômico, cultural etecnológico, oferecendo a afortunados grandes possibilidades, edeixando milhões e milhões de pessoas não só à margem do progresso, masvivendo em condições muito inferiores ao que é devido à dignidadehumana. Esse é ainda, lamentavelmente, um tempo de gente que morre defome, condenada ao analfabetismo, sem cuidados médicos básicos, semcasa para morar, e tantos outros elementos de um cenário que escancaracontradições vergonhosas. A festa de Corpus Christi é interpelação:aposta na caridade.