Nas pregações sobre pecado e salvação, sempre utilizei a expressão os “3 p’s que nos inclinam a pecar” para explicar com mais facilidade o que são as concupiscências, os desejos desordenados de “poder”, “prazer” e “possuir” que restaram como resquícios do pecado original em nós, todavia, durante a leitura de um livro que fiz na semana passada, descobri outra trinca de “p’s” muito mais agradável e que se tornou um caminho de conversão e santidade para a jovem italiana Chiara Corbella Petrillo: os “Pequenos passos possíveis”, que vem a ser também o título da obra literária que é a dica de leitura de hoje.
O Pequenos passos possíveis é um apanhado de testemunhos colhidos durante um evento em Assis/IT, realizado em 15 de setembro de 2013, no qual uma pequena multidão se reuniu para ouvir a história fascinante de Chiara Corbella, que está em processo de beatificação desde setembro de 2018.
O livro não é uma biografia, mas possui um tom tão intimista, devido aos testemunhos dos seus amigos, parentes e especialmente do seu viúvo, que quando terminamos a leitura, a impressão que dá é de que a conhecemos pessoalmente.
A história de Chiara viralizou há alguns anos pelo Youtube, quando o seu testemunho a respeito do segundo filho foi disponibilizado. Ela conheceu Enrico, seu futuro marido, no dia 02 de agosto de 2002, em uma peregrinação a Medjugorje. Cinco anos depois, exatamente no dia 02 de agosto de 2007, participaram da Marcha Franciscana, em Assis/IT e, ao fim do dia, após recebem o Perdão de Assis, Enrico a pediu em casamento, o que ocorreu no dia 21 de setembro de 2008, inclusive, seu processo de beatificação foi aberto no mesmo dia, dez anos depois, em uma cerimônia também em Assis, como dissemos no início da matéria.
Estes pequenos sinais de Deus já anunciavam que esse matrimônio seria diferente. Depois de superarem muitas dificuldades da época do namoro, Chiara e Enrico descobriram que o contrário do amor não é o ódio, mas a posse, portanto, se dispuseram a viver o seu matrimônio como uma verdadeira consagração um ao outro, e ambos para Deus, sem o desejo de possuir um ao outro, mas de viver a liberdade própria do amor cristão.
Pouco tempo depois do matrimônio, Chiara engravidou, todavia, logo descobriu que a criança sofria de uma má formação chamada anencefalia, portanto, como não tinha cérebro, não sobreviveria por muito tempo após o nascimento ou poderia até morrer ainda no útero materno. Contrariando médicos, amigos e até alguns conhecidos que pertenciam à Renovação Carismática, mesmo movimento que Chiara e Enrico eram engajados, decidiram ir até o fim da gravidez. Chiara rezava que o parto fosse natural, mesmo que fosse impossível, pois a enfermidade da criança não permitia tal meio, enquanto Enrico pedia a Deus que a filha nascesse viva, para ser batizada.
Não obstante a impossibilidade do pedido de Chiara e a dificuldade do desejo de Enrico, Deus atendeu os dois: Maria nasceu viva, de parto natural e foi imediatamente batizada pelo padre Vito, amigo e diretor espiritual do casal Petrillo, tendo falecido cerca de meia hora depois. Eles a batizaram como Maria Grazia Letizia, pois ela foi a graça e a alegria dos seus pais. No outro dia, enterraram-na com grande ação de graças, porque sua primeira filha já havia nascido pronta para o céu.
Meses depois, Chiara engravidou novamente. Os dois desejavam em seu íntimo um filho saudável, depois do sofrimento passado na primeira gravidez, entretanto, o pequeno Davide Giovanni também possuía uma má formação genética, que o fez nascer sem as pernas e sem as vísceras, o que provocou sua morte cerca de 30 minutos após o seu nascimento e batismo, realizado mais uma vez pelo padre Vito que, no dia, também celebrava o seu aniversário em meio a uma profunda experiência de eternidade.
Segundo Chiara, Davide Giovanni veio ao mundo para derrotar os Golias que existiam no seu coração de mãe, por isso, chamou-o Davide (italiano para Davi) e João (Giovanni) porque nasceu no dia de São João Batista. Segue um trecho do manuscrito de Chiara sobre o filho, contido na dica de leitura de hoje: “Quem é Davide? Um pequeno que recebeu como dom de Deus uma tarefa tão importante… a de abater os grandes Golias que estão dentro de nós: abater o nosso poder paterno de decidir sobre ele e no lugar dele, e nos mostrou que ele crescia e era assim porque Deus precisava dele assim; ele abateu nosso ‘direito’ de desejar um filho que fosse para nós, porque era somente para Deus…”.
Passados mais alguns meses, veio a terceira gravidez e, nessa oportunidade, estava tudo bem com o pequeno Francesco, nome escolhido por causa da devoção dos seus pais a São Francisco de Assis. Entretanto, o calvário de Chiara começava a se aproximar cada vez mais da Cruz de seu Senhor, pois ela descobriu um câncer raro em sua boca, que não poderia ser tratado com todos os recursos de cirurgia, quimioterapia e radioterapia necessários sem colocar em risco a vida do terceiro filho.
Diante dessa situação, ela não titubeou em levar adiante a gravidez, dando início à parte mais agressiva do tratamento apenas depois do nascimento de Francesco. Com esta escolha livre e consciente do risco que corria, Chiara acabou optando pela vida de seu filho em detrimento da sua, pois o atraso no tratamento causou a evolução da doença para o estágio terminal.
Ela passou os últimos meses de vida em uma casa no campo, junto com a família, padre Vito e a constante visita de alguns amigos. As metástases causavam-lhe dores tão atrozes, que chegava a dizer ao marido que lhe doíam até os cabelos da cabeça, todavia, nunca cessou de rezar e de fomentar em seu coração o desejo pelo céu, que se aproximava cada vez mais.
Perto de sua morte, Enrico viu-a rezando em sua cadeira de rodas diante do crucifixo que fora instalado em seu quarto, e lhe perguntou se a Cruz do Senhor era realmente doce, ao que ela prontamente respondeu que sim. Na noite de 12 de junho de 2012 a família participou da última missa com Chiara, que recebeu a Eucaristia e faleceu no dia seguinte, aos vinte e oito anos, no dia de Santo Antônio, um grande homem de Deus, amigo de São Francisco e orador da Ordem Franciscana. Um fato curioso é que o câncer de Chiara começou exatamente em sua língua e ela veio a falecer no dia do santo cuja língua permanece incorrupta até hoje, séculos após sua morte.
No decorrer de sua vida ordinária, como cristã, filha, esposa e mãe, Chiara deu todos os pequenos passos possíveis rumo à santidade, que vieram a se revelar não como pequeninos, mas como passos heroicos, em uma corrida de gigantes.
Podemos colher inúmeras graças dos testemunhos sobre Chiara Corbello, contidos na dica de leitura de hoje, entretanto, escolhemos apenas um trecho do discurso de seu esposo, Enrico Petrillo, tanto pela semelhança com importantes aspectos da espiritualidade Shalom, quanto pelo caminho magnífico que Chiara e Enrico descobriram ao tomarem, juntos, a cruz, em um belo testemunho de matrimônio cristão:
“Gosto de dizer: ‘Em Assis, foi onde tudo começou com o Seu perdão, onde cada passo foi oferecido a Ele e renovado. Foi sempre aqui que cada uma de nossas vidas encontrou seu objetivo e seu fim: o Amor, o Tau’. O que isso significa? Vou tentar explicar. Tivemos um namoro difícil, como talvez todos os namoros sejam. Discutíamos, esclarecíamos as coisas, e nos afastamos algumas vezes. Depois viemos a Assis para o ‘Curso de noivos’ e resolvemos terminar o namoro, porque tínhamos percebido em nós alguns ‘núcleos de morte’. Por fim, decidimos enfrentá-los, entregamos novamente nossa vida ao Senhor e decidimos dar este novo passo. Também decidimos buscar um diretor espiritual: frei Vito, que foi escolhido por Chiara, e tornou-se um dom para nós. O ‘Curso Vocacional’ foi a reviravolta da minha vida: eu havia encontrado o Senhor, mas depois seguiu-se um período em que eu vivia indeciso. O curso foi o momento no qual decidi seguir ao Senhor novamente, com todo o meu coração, com todo o meu ser. Compreendi isso sobretudo no momento da entrega do Tau. O Tau é a última letra do alfabeto hebraico. Na Bíblia está escrito: ‘Eu sou o Alfa e o ômega, o princípio e o fim’. São Francisco enxerga essa analogia entre o Tau e a Cruz de Jesus. O Tau é a última letra, a Cruz é o encerramento de cada coisa. A cruz é a finalidade, não o ‘fim’ de cada coisa. É ela que dá sabor a todas as coisas. Pensa na sua vida sem a morte: você ficaria perdido em um segundo! A vida tem sabor porque existe a morte, a vida tem sabor porque existe cruz. Experimentamos que, se o Senhor lhe dá a cruz, você poderá suportá-la, não porque seja forte, mas porque, se você a acolhe, há uma graça que lhe sustenta e é para você. O Senhor não é mentiroso: Ele lhe dá a cruz, mas também a graça de carregá-la. Então você corre o risco de encontrar Jesus Cristo e experimentar Seu amor. Assim, talvez a cruz cause menos medo, e você fecha os olhos e diz: ‘Senhor, com você eu consigo!’”
Ficha de leitura
Autor(a): Chiara Corbella Petrillo
Idioma: Português
Edição: 1ª
Número de Páginas: 112
Editora: Cultor de Livros
Serviço
Congresso Shalom das Famílias 2022 – O amor na família: vocação e caminho de santidade
Quando: 25 e 26 de junho de 2022
Local: Fortaleza – CE
Inscrições: [link]
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