Pode parecer para os mais distantes da filosofia que ela não tem nenhum tipo de utilidade prática. No entanto, basta olhar o mundo de hoje para perceber a influência desta ciência no mundo: o modelo de república adotado por diversos países no mundo fora descrito por Sócrates; as bases da astronomia foram demarcadas por Tales de Mileto; contribuições fundamentais para as matemáticas foram feitas por Pitágoras; o modelo das universidades como as conhecemos vem da “academia” fundada por Platão; as primeiras reflexões sobre política e psicologia são atribuídas ao pensamento de Aristóteles.
Inúmeras questões nos diversos âmbitos da nossa sociedade atual, mesmo fora do mundo científico, foram influenciadas pela filosofia. É perceptível tanto em coisas positivas como também em coisas por natureza negativas, como é o caso da secularização que se evidencia no mundo ocidental, que surge já no tempo da decadência grega (últimos dois séculos da era pré-cristã) com o ceticismo, epicurismo e estoicismo, e é atualizado pela corrente iluminista no tempo moderno, a mesma que mais tarde provocaria a Revolução Francesa, trazendo consideráveis, embora negativas, consequências no universo político e social. Desta forma, se faz necessário, pelo menos, reconhecer o grau de importância da filosofia no mundo e na história.
Uma vez esclarecida a evidente importância do gênero da obra, podemos nos perguntar a respeito do autor, Platão. Ora, na Ásia temos o grande filósofo Confúcio e também o taoísmo; na Pérsia antiga temos Zaratustra, que apresenta, mesmo sem intenções, uma filosofia zoroastriana; na Índia, predomina o hinduísmo, crença cuja incapacidade de responder às questões fundamentais faz surgir as suas ramificações não-védicas, dentre as quais sobressai o budismo.
O grande berço da filosofia
Contudo, os historiadores da filosofia são unânimes ao declarar que o grande berço da filosofia é a Grécia antiga. O pensamento filosófico grego foi adotado pelo império Romano; resgatada pelos cristãos dos primeiros séculos (recebe destaque neste ponto a tradição patrística que lembra, de forma particular, Orígenes e Justino Mártir como os principais “cristianizadores” da filosofia grega); redescoberta na idade média, impulsionando grandes pensadores medievais, dentre os quais Tomás de Aquino; permanece vigente para os pensadores modernos, desde Descartes, John Locke e o empirismo britânico, até os exponentes iluministas; chega aos nossos dias influenciando os contemporâneos como Hegel, Nietzsche, Marx, Chesterton, e os grandes São João Paulo II e Papa Bento XVI.
Os eruditos concordam em apresentar Tales de Mileto como o primeiro filósofo da Grécia, a quem mais tarde seguem as diversas escolas naturalistas. No entanto, nenhum destes filósofos tem tanto destaque quanto Sócrates. A sua influência e genialidade tem levado certos eruditos a dizer que tudo o que veio depois de Sócrates é uma mera nota de rodapé do filósofo. É tal a sua importância que a filosofia grega é dividida em períodos pré e pós-socrático. Curiosamente, Sócrates nada deixou escrito. Tudo o que temos dele e do seu pensamento nos vem das obras de Platão, seu pupilo, quem registrou vida e discursos do seu mestre. O banquete é um desses registros.
Um grupo de amigos se reúne na Grécia
No “Banquete”, um grupo de amigos se reúne na Grécia para festejar, gozando de comida e bebida em fartura, como de costume. Dentre eles está Sócrates. Um deles, médico de profissão, lembra como é prejudicial para a saúde a ingesta excessiva de bebida e sugere não beber; outro concorda, porém, por motivos diferentes: ainda se recuperava da ressaca adquirida na festa do dia anterior. Surge assim, uma sugestão: “Mandemos embora a flautista que acabou de chegar, que ela vá flautear para si mesma, se quiser, ou para mulheres lá dentro; quanto a nós, com discursos devemos fazer nossa reunião de hoje”.
Amantes da sabedoria e da beleza, todos acolhem com entusiasmo a proposta e, imediatamente depois, surge uma constatação: “Não é estranho, Erixímaco, que para tantos deuses haja hinos e peãs, feitos pelos poetas, enquanto que ao Eros, um deus tão venerável e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto s engrandeceram, fez sequer um encômio?” De tal maneira, os seis amigos dedicam-se a honrar com belos discursos a Eros, o deus do Amor.
O rosto do amor
Tentando delinear o rosto do amor, o grande filósofo, Platão, narra as apologias proferidas por Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agatão e Sócrates durante o banquete cujo prato principal é um tema tão antigo quanto o homem e atual até os nossos dias. A fim de contas, ninguém permanece indiferente ao amor.
Podemos resgatar muitos elementos positivos como, por exemplo, o discurso de Agatão, no qual o amor é descrito como algo contrário e incompatível com a violência, ou o discurso de Fedro, no qual o amor é apresentado como o deus mais antigo e útil para alcançar o belo e o bom. Porém, precisamos estar atentos. Encontram-se no livro muitas mentalidades negativas, contrárias ao Evangelho das quais os mesmos personagens comungam.
Por exemplo, encontraremos no livro aquilo que o contexto da época sugeria: o amor existia preferencialmente entre homens. Este “amor” se entendia por “amizade”. Daí surge o termo grego “philia”, que significa “amizade”. Comumente o lemos em termos como “filantropia” (“philantropeia”) que significa “amor à humanidade” (philia=amizade, amor; antropos = homem) e ainda na fase do Caminho da Paz “Filoteia” (“philoteia”) que significa “amigo de Deus” (philo = amizade; théos = Deus). Porém, para os gregos, a amizade sempre tinha uma permissão sexual. Devido a isto as aberrações sexuais são também denominadas com este termo, por exemplo: pedofilia (sexo com crianças).
A ausência do Evangelho e as graves carências a nível moral
O Eros, que é o termo examinado pelos comensais do banquete, tem uma conotação semelhante a “philia”, porém, distinguem-se em contexto – pois, nesta obra o Eros é considerado um deus – e ênfase – principalmente sexual -. A “amizade” ou “amor” entre homens pressupunha o ato sexual entre os mesmos, limitando o ato sexual com mulheres a um único fim procriativo.
É preciso levar em consideração o contexto no qual este pensamento fora desenvolvido. Estamos no século IV a.C., ou seja, os grandes filósofos gregos não gozaram da novidade da Boa Nova de Cristo. Também é comprovado que não tiveram contato com já existente cultura judaica, portadora da revelação do Deus Único e da aliança fundamentada na Lei mosaica. Os gregos só receberam o anúncio e o convite à conversão 4 séculos mais tarde, com a pregação dos apóstolos após o Pentecostes. A ausência do Evangelho, que traz consigo a doutrina e a moral aos moldes de Cristo, “o Caminho, a Verdade e a Vida”, na vida dos grandes filósofos gregos comportou repercussões e graves carências a nível moral.
A origem e a natureza do Amor
Esses não são os valores do Evangelho, ou seja, da Verdade. Este livro trata o tema e podemos encontrar algumas luzes a respeito. Para os participantes do banquete, diversas são as teorias sobre a origem e a natureza do Amor. Vejamos só duas:
Pausânias propõe que o amor faz com que dois seres se unam num só espírito, desta forma, o amor entre homens faria seres superiores espiritualmente do que o amor entre um homem e uma mulher, devido a que, para ele, a mulher é inferior ao homem. Aristófanes propõe uma via mais ousada: aplica uma narrativa mitológica na qual nas origens do mundo não havia só homens e mulheres, mas havia um terceiro sexo chamado andrógeno, que se compunha dos dois anteriores. Ora, este andrógeno, possuía alto potencial para alcançar a divindade, pelo que Zeus, sentindo-se ameaçado decide separar o andrógeno deixando-os simplesmente como homem e mulher. O jovem explica que é devido a isto que os homens e as mulheres trazem em si um sentimento de carência que os impele a uma busca perene pela sua “outra metade”.
Para nós cristãos, nenhuma destas duas visões é válida. Primeiro, é interessante notar que os gregos consideravam o sexo entre homens não pela sua beleza, mas pela suposta inferioridade das mulheres, contudo, a Igreja é clara ao ensinar que homem e mulher são iguais em dignidade (doutrina social da Igreja); segundo, devido a dita inferioridade, amar a quem “inferior” tornaria aquele que ama alguém “inferior”, porém, mesmo que o outro tivesse defeitos e pudesse ser considerado por isso “inferior”, nós cristãos, entendemos que o amor eleva o indivíduo que ama, antes de diminuí-lo, pois, o leva a assemelhar-se a Deus, o ser superior, que ama aqueles que são inferiores (qualquer ser exceto Ele); terceiro, segundo a mitologia que Aristófanes apresenta, a origem do amor seria a divisão, porém, acreditar que a origem do amor é a divisão é contrário à própria natureza do amor, porque o amor não se fundamenta na divisão, mas na união.
A fim de contas, o que é o Amor?
Se fizéssemos uma enquete, abrangendo as mais diversas culturas, gerações, profissões e povos, com a pergunta: “você deseja conhecer o Amor? ”. Sem dúvida alguma, a resposta sempre seria a mesma. Contudo, na hora de perguntar o que é o Amor, encontraríamos tantas respostas quanto homens na terra.
Para alguns, o “Amor” é uma palavra que se espera dentro de um relacionamento afetivo depois de passado um certo tempo; para outros, “amor” é uma palavra-chave para obter algo de outra pessoa; para outros, o apelido perfeito para o namorado ou namorada; para outros, é ainda a palavra que serve para descrever a sensação de desejo por outra pessoa. Mas, o que é o Amor?
Em número consideravelmente reduzido, encontraremos pessoas cuja compreensão a respeito do “amor” está associada a sacrifício, dor, sofrimento, doação de si, esquecimento da vontade própria.
A novidade bíblica introduz um novo termo grego para o amor: “Ágape”. O amor de oblação, o amor de oferta, o amor de esquecimento de si. É uma novidade, inclusive nos nossos dias, revelada a tantos séculos, mas que permanece ignorada por muitos. O verdadeiro amor não é sentimentos, sexo, prazer, nem uma palavra vazia, mas uma pessoa: Deus.
Ficha de Leitura
Título: O BANQUETE
Gênero: Filosofia
Série: Gregos
Páginas: 176
Edição: agosto de 2009
Boa Leitura!
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