Há uma semana a pauta do dia era o Natal. A partir de hoje e nos próximos dias, o assunto do momento será a paz. Instituições de nível global estarão comentando sobre a paz. Eventos de todo o tipo promoverão a paz. Políticos, chefes de organizações para a promoção do homem e da paz, chefes religiosos, articulistas, todos falarão sobre a paz. Prêmios Nobel da Paz serão entrevistados e suas entrevistas vendidas à mídia do mundo inteiro.
Na virada do ano, supersticiosamente vestidos de branco, milhões pedirão pela paz ao deus em que acreditam: paz no coração, paz na família, paz no mundo, paz no trabalho, paz no casamento. Parece que já ouço os desgastados votos de “Paz e Prosperidade” repetidos à exaustão. E, no calor da emoção e do champanhe, realmente as pessoas poderão “sentir” paz e “desejar” a paz “de todo o coração”!
Sem champanhe e sem emoção, creio, sinceramente e com todas as minhas forças no tempo de paz que virá e que Isaías descreve assim: “Os homens não se fatigarão inutilmente, nem gerarão filhos para a desgraça, porque constituirão a raça dos benditos do Senhor, juntamente com seus descendentes. Acontecerá então que antes de me invocarem, eu já lhes terei respondido; enquanto ainda estiverem falando, eu já os terei atendido. O lobo e o cordeiro pastarão juntos e o leão comerá feno com o boi… Não se fará mal nem violência em todo o meu monte santo, diz o Senhor” (Is 65, 23ss).
Lobo e cordeiro pastando juntos? Sem que o lobo aguarde uma pequena distração do cordeiro para devorá-lo? Fala sério! E desde quando lobo pasta?!? Como assim? Leão comendo feno com o boi?!?!? Ele se tornará herbívoro?
Aí é que está o segredo: para pastarem juntos aos seus inimigos, cordeiros e bois não precisarão esperar que eles se tornem herbívoros – o que é tremenda impossibilidade. Precisarão apenas aguardar que seja destruído “o muro de inimizade” que os separa.
Parar entender melhor, passemos da metáfora utilizada pelo profeta para a dura realidade da fraqueza humana. O que nos faz tratar os outros como inimigos e, dessa forma, não viver a paz é uma barreira, um muro de desamor e desconfiança que construímos entre nós e outra pessoa. Ao nos sentirmos ameaçados, estabelecemos muros altos e fortes que nos garantam segurança contra o outro. Os muros de Berlim e os que separam Israel e Palestina não são outra coisa que concretização dos muros construídos no interior de cada um de nós. Nosso interior é a nascente da Paz ou da inimizade.
Construir uma paz superficial e passageira é relativamente fácil. Em nível mundial, a diplomacia, as tréguas, a boa política, os embargos e pressões econômicas podem consegui-lo. Quando nada disso funciona, a “paz” é conseguida através da matança, da destruição do inimigo.
Para defender nosso povo e país, é preciso destruir o inimigo! Destruir o inimigo! Eis o objetivo primordial de uma guerra entre povos. Eis aquilo que consegue a frágil, superficial e efêmera “paz” enquanto o ódio remanescente prepara nova guerra. Para obter a paz, é preciso destruir a ameaça, eliminar o inimigo. É isso o que muitos países e – pasme! – muitas pessoas consideram paz!
A Paz duradoura, autêntica, eficaz, entretanto, busca justamente o contrário. Recomenda que, a todo o custo, não se destrua o inimigo, que se tenha o mais extremo cuidado para não eliminá-lo, nem mesmo feri-lo levemente para que ele não sofra. As regras da Paz autêntica recomendam que se elimine o muro da inimizade e separação que pessoas e, consequentemente países e povos, ergueram entre si.
Esse tem sido tema recorrente do discurso do Papa Francisco: “Destrua o muro da inimizade! Poupe o inimigo! Não confunda o inimigo com o muro da inimizade! O Santo Padre baseia-se em dois preciosos versículos da Carta aos Efésios: “Cristo é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro de separação e suprimido em sua carne a inimizade a fim de criar em si mesmo um só Homem Novo, estabelecendo a paz”
Jesus Cristo é nossa Paz! Sim, mas porquê? Em primeiro lugar, porque preferiu permitir que o Inimigo do homem o crucificasse a omitir-se e deixar que o homem – que se havia feito inimigo de Deus, portanto, Seu próprio – fosse destruído. Por isso São Paulo diz que o muro de separação e a inimizade foram destruídos, suprimidos em Sua carne, na carne de Cristo, na Sua cruz.
Nesses dias, se ouvirá falar muito de paz. Talvez sejamos os primeiros a nos deprimir com as retrospectivas de guerras na Síria, na África, na Ucrânia, na Palestina, no Paquistão, no Iraque. Seremos, certamente, críticos duros do autodenominado Estado Islâmico. E estaremos corretos, mas só parcialmente. Não teremos razão enquanto nós mesmos tivermos em nosso interior e nos nossos relacionamentos muros de divisão, de autodefesa, de inimizade, enquanto uma só pessoa – qualquer pessoa – for considerada ameaça para nós.
Ainda há muito a dizer, mas, como seu tempo é pouco, convido você a continuarmos o assunto nas próximas colunas, onde conversaremos porque, misteriosamente, Jesus se portou como cordeiro e não como lobo, como boi e não como leão e porque não senti nenhum medo ao ter o revólver de um assaltante drogado apontado para minha cabeça enquanto estava rendida, deitada na calçada.
Mistérios da Paz!
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
TT @emmiroquendo
FB facebook.com\mariaemmirnogueira