Ninguém amou como Ele
Um dos grandes teólogos do século passado, o alemão Karl Rahner, na apresentação de um livro sobre o Coração de Jesus, escreveu que no futuro do mundo e da Igreja o homem será um místico, isto é, uma pessoa com profunda experiência religiosa, ou não será mais cristão. E este místico será capaz de compreender, de maneira nova e radical, o sentido de expressões como Coração de Jesus, Coração de Cristo.
Vem-me à lembrança essa reflexão porque estamos no mês que a piedade popular consagra a esse Coração que tanto amou os homens. Mas terá sentido ainda tal devoção? Não será ela uma forma ultrapassada de expressão religiosa, própria de outra época e de outras culturas?
O ser humano relaciona-se com seu Senhor utilizando-se de palavras, expressões e gestos tirados de seu mundo, de seu tempo, de sua realidade. Sabemos, assim, que muitas manifestações religiosas, largamente difundidas em algumas épocas, caíram aos poucos em desuso, transformando-se em lembranças que os livros de história da Igreja tiveram o cuidado de conservar. Não terá acontecido o mesmo com essa expressão da espiritualidade popular?
Diria que depende. Depende do modo como a vemos. Ou da maneira como a entendemos.
Se nossas expressões de fé tiverem uma base bíblica, elas conseguirão ultrapassar culturas, épocas e costumes. Ora, na linguagem bíblica a palavra “coração” tem um sentido profundo. Mais do que referir-se ao órgão físico, sintetiza a interioridade da pessoa, sua intimidade, o mais profundo do seu ser. Por isto mesmo não deve ter sido difícil para os contemporâneos de Jesus intuir a profundidade de seu convite e de sua autoapresentação: “Vinde a mim vós todos que estais cansados sob o peso de vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 28-29).
O apóstolo Paulo penetrou nesse Coração – foi um místico, segundo Rahner – e dele saiu transformado. Dedicou sua vida para anunciar a todos esse Cristo que, através de sua experiência de fé, conhecera tão bem. Por isso mesmo, pôde dizer aos filipenses: “Deus me é testemunha de que eu vos amo a todos com a ternura de Cristo Jesus” (1,8).
Também nós somos convidados a fazer uma profunda experiência da bondade do Coração de Cristo. Compreenderemos então o porquê de sua predileção pelos mais pobres, doentes e aflitos. Seremos tocados pelo seu ardente amor pelo Pai. Entenderemos, então, um pouco melhor seu amor infinito, esse amor que nos conduzirá ao dom total de nós mesmos, fazendo-nos penetrar no mistério do próprio Deus.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
Fonte: www.arquidiocesesalvador.org.br