Antes da era cristã, o filósofo chinês Confúcio (551-479 a.C.) dá testemunho da experiência milenar que reconhece a importância natural da família em relação ao seu duplo caráter social (e político) e educativo: “para governar deliberadamente um reino é necessário dedicar-se primeiramente a estabelecer a família e o ordenamento que lhe convém.
Uma família que responda às exigências humanas e pratique o amor bastará para infundir na nação estas mesmas virtudes”. Da mesma forma, encontramos no mundo grego o ensinamento de Aristóteles (384-322 a.C.), que concebe a família a partir da união conjugal de um homem e uma mulher, afirmando que é nesta união natural que se gera a prole e, com isso a própria sociedade, tanto na sua estrutura quanto na sua dinâmica.
A família precede a sociedade e é mais necessária do que esta, por ser a sua base. Ou seja, a “sociedade não existe senão a partir da família”. Todo ataque à família atinge a sociedade em sua raiz e traz consequências nocivas às futuras gerações.
Crise antropológica e ataques à família tradicional
Atualmente a família é alvo de ataques, em grande parte, decorrentes da crise antropológica e espiritual que tem massificado as sociedades contemporâneas. Assistimos, assim, a uma ruptura histórica que torna a família um grupo obsoleto e ultrapassado. Contudo, observando a sabedoria humana acumulada nos séculos, encontramos pontos comuns que ultrapassam raça e credo, porque são princípios básicos da sociedade, que só pode existir de maneira equilibrada a partir desse núcleo que se chama família.
Ao longo dos séculos podemos observar a mudança de valores na dimensão sócio-cultural, que anteriormente se apoiava em duas convicções: o primado de Deus sobre o homem e o primado do homem sobre as coisas. Os valores éticos que deveriam reger uma sociedade nasciam dessa união, que tinha seu berço de desenvolvimento no núcleo familiar. Na Idade Moderna a mudança de orientação social, que passa a ter como primado o próprio sujeito, desloca o eixo de sustentabilidade da polis, criando rupturas profundas na família, acerca da compreensão de si e da sua missão no mundo.
Valores tradicionais x valores hedonistas
Analisando as consequências do modernismo e pós-modernismo, Gilles Lipovetsky – filósofo francês, teórico da Hipermodernidade – observa que o aparecimento do consumo de massa no Ocidente está relacionado à rejeição dos valores tradicionais, que cederam lugar aos valores hedonistas e estes se tornaram os princípios axiais da cultura moderna. Quando os valores sociais já não são claros, é fundamental que cada família tenha clareza dos seus valores-base e que estes sejam transmitidos nos gestos quotidianos; quando são incertos os caminhos indicados pela cultura, a definição clara dos papéis familiares é fundamental para indicar um horizonte de sentido no presente e no futuro das novas gerações.
As grandes transformações do século XX
Essas transformações influenciaram no modo de autocompreender-se, de relacionar-se e de pôr-se no mundo de cada pessoa. Mudar é uma característica da vida, e toda mudança traz consigo uma série de desafios, porque exige abrir mão de certas seguranças; exige também a capacidade de adaptação diante do que se apresenta como novidade, além de uma dose de humildade para acolher as transformações necessárias.
Quando se trata de mudança de época, como a que vivemos, os desafios são ainda maiores, porque exigem clareza em “distinguir entre o que é essencial na vivência e o que é marca cultural de tempos que não voltam mais”. É necessário saber discernir o que é essencial e que fundamenta cada dimensão da vida e que, por isso, precisa ser mantido como garantia e proteção do futuro.
A modernidade já havia conquistado “a autonomia da cultura, a desvinculação do religioso e do político, a legitimidade do estado moderno como Estado de direito, a autonomia das sociedades civis sob orientação da razão democrática”, porém, com tantas possibilidades e sem uma bússola que possa ajudá-lo a encontrar o norte da sua vida, o ser humano pós-moderno encontra-se à deriva do próprio subjetivismo.
Essa é, também, a constatação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman que, ao descrever algumas das características da “modernidade líquida”, identifica a crescente falta dos pontos estáveis de orientação que antes serviam de referência para a autoconstrução do indivíduo. De fato, a falta de referências traz consequências nocivas para o ser humano individual e para as culturas em geral, podendo chegar à perda de identidade e à expatriação de si mesmo.
Leia também: Família e sociedade: desafios e possibilidades
Autor:
Josefa Alves dos Santos
Doutoranda em Teologia Sistemática pela PUC-Rio, missionária da Comunidade Católica Shalom.
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