Em nossa última coluna – Cuidado! Não destrua o inimigo! – fiquei devendo a você uma história (de assalto) e uma explicação: porque cordeiro? Porque boi? Para falar sobre a Paz, havíamos escolhido dois textos fantásticos e praticamente inesgotáveis em seu significado. Um deles fala do cordeiro e do boi:
“Os homens não se fatigarão inutilmente, nem gerarão filhos para a desgraça, porque constituirão a raça dos benditos do Senhor, juntamente com seus descendentes. Acontecerá então que antes de me invocarem, eu já lhes terei respondido; enquanto ainda estiverem falando, eu já os terei atendido. O lobo e o cordeiro pastarão juntos e o leão comerá feno com o boi… Não se fará mal nem violência em todo o meu monte santo, diz o Senhor” (Is 65, 23ss).
Leão e lobo, predadores desde sempre, deixam de ser ameaça para o boi e o cordeiro e passam – pasme! – a ser herbívoros, pastando tranquilamente como suas milenares presas. Não são mais ameaça para suas ex-vítimas. São agora companheiros de jornada com quem partilham o alimento. Tudo isso porque, pela Cruz de Cristo ou, em outras palavras, em Cristo, cai o muro da inimizade e, uma vez destruído esse muro de separação dá-se o improbabilíssimo Encontro.
Jesus, ao entrar no mundo – ao encarnar-se no seio da Virgem Maria – diz ao Pai: “Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um corpo (…) Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade!” (Hb 10,5.7). Ora, os sacrifícios e oblações do Antigo Testamento constituíam-se em bois, touros, cordeiros e algumas aves. Jesus, acolhe a vontade do Pai de fazer do Filho o Sacrifício Perfeito para a remissão – perdão – de todo pecado, resgate – pagamento – de todo homem fugido de Deus. Ele entende que “é impossível que o sangue de touros e de carneiros tire pecados”, como explica o versículo 4.
Só um sacrifício de amor até o extremo da morte seria capaz de resgatar o homem amado que escolhera ser inimigo de Deus e caíra em sua própria armadilha de rebelião, dilacerando o coração amoroso do Pai. Animais, por mais pacíficos e dóceis que sejam, não possuem vontade e, portanto, não amam aos moldes da Trindade que escolhe como “forma de ser” – como essência, diriam os filósofos – amar até perder-se no amado.
Jesus, o Filho, faz-se carne, assim, identificado com o Cordeiro Pascal, o cordeirinho de um ano que marcou a passagem do povo hebreu da escravidão ao Egito para a liberdade de povo de Deus. Ele é, assim o único e verdadeiramente eficaz Cordeiro Pascal que não somente passou pela morte, como o dos hebreus, mas venceu a morte pela ressurreição.
Lindo! Assunto para se rezar! Para pedir a Deus que nos faça mais cordeiros que lobos, mais bois que leões!
Porque, na verdade, Jesus, que é Deus e pode tudo, escolhe, por amor, ser Cordeiro – como diz meu querido bispo D. José Antônio, “isso não é uma humilhação, mas o jeito mesmo de Deus ser” – e, de fato É Cordeiro, manso e humilde de coração em todas as ocasiões. Ao passo que nós, que nada podemos, escolhemos o orgulho de ser lobos para nos sobrepor ao Cordeiro! Para nós, é preciso muita violência de coração, radical conversão ao Evangelho para preferir morrer que matar, como fez Jesus. É preciso conversão profunda à radicalidade evangélica para entender e optar livremente por entregar a própria vida ao invés de roubar – de todas as formas – a vida do outro. Só a ação do Espírito em nós pode nos levar a escolher perder por amor a ganhar por orgulho e egoísmo, vaidade e vanglória – todos disfarçados, claro.
Apesar de desejar ser cordeiros, na hora da sangria escolhemos ser lobos e reagimos contra nossos “inimigos”. Apesar de desejar ser bois para alimentar os homens, na “hora H” optamos por ser leões e arrasamos nossos “adversários”. Criamos, entre nós e eles, muros de divisão e inimizade a partir do desejo de poder, de possuir, de prevalecer que existe em nós. Haja conversão! Haja contemplação de Jesus Cordeiro, de Jesus manso e humilde de coração em todas as ocasiões de sua vida, do nascimento à paixão e morte. Haja ação do Espírito Santo!
Mas… e a ira de Jesus ao expulsar os vendilhões no Templo de Jerusalém? E a fúria de Jesus contra os hipócritas? Bem… essa história lhe fico devendo, junto com aquela do assalto, lembra?
O que o assalto tem a ver com isso? Só tudo!!! Me aguarde!
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
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