Feira de Santana, Novembro de 2021
Ao Amado,
Querido Amigo, estava aqui a refletir como pouco te conheço, como eu ainda não tenho aquela intimidade que Adão e Eva tinham com o pai no paraíso, eles escutavam os passos, reconheciam de longe a sua chegada. Já eu, sou como Pedro e os demais apóstolos principalmente diante das tempestades, das intempéries da minha vida, é como se eu ficasse cega e não mais te reconhecesse, e não é uma questão visual, mas uma cegueira espiritual, pois é o meu coração que não te ver, não sente a tua presença, mesmo tu estando ali. Tu gritas: “Tranquilizai-vos, Sou Eu, Não tenhais medo!” Eu permaneço atônita, surda a vibração da tua voz, permitindo que os meus medos me sucumbam, roubem a tua doce voz de mim.
É tão estranho reconhecer isso, pois parece ser tão natural reconhecer de longe a voz, o jeito de andar, e às vezes até a forma de mexer no cabelo de uma pessoa que nos é próxima, familiar. É prazeroso e confortável sentir-se segura só por saber que a pessoa a qual amamos e confiamos está ali por perto, é como uma criança que fica muito tempo longe dos pais e ao vê-los ou somente ouvir a voz, salta de alegria, pois compreende ainda que de forma infantil, que seu porto seguro voltou, e era assim que eu gostaria que fosse minha relação contigo.
Afinal somos amigos, nos consideramos íntimos, visto que é a ti que eu confidencio todas as minhas alegrias, dores, tristezas, conquistas, tudo! Em tuas mãos eu coloco toda minha vida, contudo diante das agitações da barca, eu te esqueço.
Esqueço que tu permaneces lá, esqueço da tua voz a dizer: Tranquilizai-vos! E me agito muito mais, esqueço que és Tu o Senhor da barca e das tempestades, esqueço que és Tu. E nesse lapso de memória me lanço aos ventos contrários, começo a planejar como me salvar, chego a desejar abandonar a barca, e nem me dou conta que os ventos são reflexos do meu interior, que os ventos são as agitações que há em mim, que é a minha própria vontade, as minhas imperfeições, resistências, os meus pecados que comecei a chamar de minha personalidade.
É amado, eu tiro olhar de ti por um instante e esqueço completamente quem és Tu e quem sou eu, e assim como Pedro, começo a afundar, porque coloco a minha confiança em mim mesma, pois assim como ele Tu bem sabes, sou mulher de pouca fé.
Pedro estava diante de ti, do ‘Eu Sou’ e desconfiou, não se abandonou. E Tu ficas a observar quantas vezes eu ajo como Pedro, diante de ti no meio das minhas vãs tempestades, eu grito desesperadamente: “Senhor, salva-me!” Como posso ser tão ‘humana’ assim, diante de ti ser incapaz de sentir-me segura, de reconhecer a tua voz a sussurrar: Não temas, estou contigo, dou a minha vida por ti, troco reinos por ti, tu és minha…
De fato Amado, parafraseando um santo amigo eu posso afirmar: Se tu não permanecer em mim é impossível a mim te amar, porque preciso da tua presença para não te esquecer, pois sabes quão facilmente posso te abandonar.
Ouvindo os teus passos no lastro da barca, me despeço e suplico – Fica amado comigo!
Com grande estima,
Sua amada,
Jackeline Bastos
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