A Sagrada Escritura é um livro composto por vários livros. Cada um deles teve um processo de composição longo e complexo. Neles se percebe o pensamento do povo judeu, que será depois a herança para o novo povo de Deus, o cristianismo. No entanto este pensamento não é simples e está composto por várias camadas, por uma espécie de evolução.
O matrimônio no pentateuco
Em primeiro lugar, percebemos que há uma concepção bem antiga, da época patriarcal (meados do XVIII a.C.), onde é permitida a poligamia. Segundo essas tradições, Abraão, por exemplo, mesmo que só tivesse uma esposa, Sara, recebeu a escrava dela, Agar, para dar cumprimento à promessa de Deus.
Depois o Senhor os corrigiria ratificando que o filho prometido por Deus viria da sua esposa legítima. Também de Jacó, outro dos patriarcas do povo de Israel, se diz ter ganho por esposa duas irmãs, Lia e Raquel (Gn 29). Do mesmo jeito Salomão se diz que tinha 700 esposas e 300 concubinas (1Re 11). Fora os elementos literários e
teológicos dos textos, pode-se notar que nestes relatos há claramente uma aceitação da poligamia.
Outra tradição antiga seria aquela que se encontra no livro do Deuteronômio, no qual o autor sagrado relata pela voz de Moisés a prescrição de poder dar carta de repúdio à sua mulher e deixá-la livre (Dt 24,1). No entanto, a história do povo de Israel não pararia ali.
O Matrimônio como sinal da relação entre Deus e seu povo
Podemos apreciar uma evolução importante do pensamento na época dos profetas (ao redor dos séculos IX – VI a.C). Ali há uma preferência pela monogamia ao tempo que valores como a fidelidade e estabilidade do casal se incentivam. Isto encontra-se claramente no Profeta Oséias (séc. VIII), quando entende a relação de Deus com o povo como de um esposo com uma esposa.
Em outras palavras, Deus, por meio do profeta, revela a existência de uma esponsalidade divina para com o povo. Vejamos só dois exemplos: Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça e em direito, em amor e em misericórdia. Desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor (Os 2,19-20); assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus (Is, 62,5). A este propósito a tradição judaica sempre viu nos poemas esponsais do Cântico dos cânticos uma expressão da esponsalidade de Deus com o povo.
A ruptura desta esponsalidade é vista como a causa do exílio tanto do Reino de Israel, quanto do Reino de Judá, que mais tarde ficará escrito à perpetuidade nos textos do Pentateuco e nos livros históricos. Mas também se expressará em tom de Lei e advertência, essa nova proposta de estrutura religiosa para o povo Judeu que voltou do exílio.
A partir dali reinará o pensamento de que, assim como Deus desposou o povo e lhe é fiel, mesmo que o povo não lhe corresponda, assim também a relação matrimonial deve ser fundada na monogamia e na fidelidade. Encontramos eco deste pensamento no livro do Gênesis, sobretudo nos relatos da criação: “Por isso, o homem deixa o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne”.
O matrimônio no novo testamento
Dando um pulo para o novo testamento, nos evangelhos escutamos a Jesus falando em várias passagens sobre o casamento. Comentemos aqui a mais célebre resposta de Jesus quando interrogado pelos escribas e fariseus (Mc 10, 2-12). Ele deixa bem claro que o matrimônio é uma instituição divina, para sempre, e que a carta de divórcio que Moisés permitiu, respondia mais à dureza do coração do que ao plano inicial de Deus, no qual tal união não seria permitido ao homem separá-la.
Mas as referências ao casamento e o seu status de eternidade, enraizado no amor e na mútua entrega, pertencem também aos escritos paulinos e joaninos. Em relação a este último, poderíamos mencionar a passagem das bodas de Caná (Jo 2), onde a exegese moderna encontra uma profunda relação esponsal entre Jesus, o esposo, e o novo povo de Deus, a humanidade, a Igreja (Cf. Bento XVI, 2007); assim como o reconhecimento de João como “amigo do noivo” (Jo 3,29). Também no livro do Apocalipse apresenta “as bodas do cordeiro”, como esse grande desposório escatológico no qual a Igreja corresponde à voz do esposo com fidelidade até o martírio.
Finalizemos com a grande imagem de São Paulo acerca do casamento. Pois ele dá a pontada final* com o qual a Igreja completa sua compreensão doutrinária sobre a realidade matrimonial: Segundo Efésios (2, 22-32) o matrimônio humano deve seguir e espelhar-se no matrimônio realizado por Cristo para com a sua esposa, a Igreja. O esposo deve amar à sua mulher como Cristo amou à Igreja e se entregou por ela, para apresentá-la sem mancha, nem ruga, santa e irrepreensível; deve amá-la como a si mesmo, como ao seu próprio corpo.
*Mistério, segundo São Paulo, e a natureza do mistério não é tanto a compreensão dele, mas a sua vivência.
Bento XVI. Jesus de Nazaré. Cidade do Vaticano: Rizzoli. 2007.
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