Como chegar até Deus? É preciso ultrapassar duas forças: a primeira, a que nos prende ao corpo, vivificando-nos e a segunda, uma força que ordena os sentidos, fornecendo sensibilidade ao corpo, de modo que os olhos vejam e não ouçam; de modo os ouvidos ouçam, mas não vejam, determinando a função dos sentidos. Estas faculdades, os outros animais irracionais também as possuem, sendo, portanto, necessário ir além destas.
Maravilhas da memória
Todos querem a alegria que provém da verdade. “E a verdade, és Tu, Senhor. Conheci muitos que enganaram, mas nenhum que se regozijava em ser enganado. Se não querem ser enganados, é porque amam a verdade.”
“A FELICIDADE É A ALEGRIA ORIUNDA DA VERDADE. E TU ÉS A VERDADE.” (Jo 14, 6).
Como chegar até Deus? É preciso ultrapassar a força que o prende ao corpo, mas que o vivifica, indo além da força dos sentidos, que sensibiliza o corpo, semelhante ao que possuem os animais. Subindo além destas forças naturais, chega-se até à memória. Ela transforma tudo o que os sentidos atingiram assim como tudo o que for relegado ao esquecimento.
Chegando aí na belíssima faculdade da memória, resume suas operações: quando invoca uma imagem que deseja recordar, sendo umas facilmente recuperáveis, outras parecendo estar guardadas em recônditos, algumas parecem vir intensamente, outras ordenadamente, enquanto há algumas que se alojam no esquecimento.
As imagens que os sentidos capturaram ficam armazenadas na memória: os sons captados pelos ouvidos, as imagens captadas pelos olhos, as cores, a capacidade de distingui-la, os sabores e toda a sensibilidade do corpo. E quando desejar recuperar uma em específico, por exemplo, uma imagem que foi captada pelos olhos, os sons não a interrompem, atravessando-as. Quem ordenou aos sentidos que assim se dispusessem?
Tudo se realiza no grande palácio da memória. Aí encontra tudo à disposição: céu, terra, mar e também todas as ações realizadas, quando, onde e com quais sentimentos as praticou. Nela se encontram, ainda, todos os conhecimentos que teve acesso, seja por si próprio, seja com o auxílio de outrem.
Expõe aqui dois meios de conhecer: pela experiência pessoal ou pelo testemunho dos outros. Tudo o que poderá acontecer, projeção de cenários, hipóteses ou condições de viabilidade, tudo se encontra no tesouro da memória, de onde ele retira inúmeras possibilidades no presente. A memória é uma faculdade poderosa, imensa, ilimitada, quem poderá atingir-lhe toda a sua profundeza?
O esquecimento
As imagens são gravadas em nossa memória para que, quando ausentes, delas possamos nos lembrar. Curiosa é a faculdade da memória, é um mistério para ele próprio. Não se interroga sobre os astros, sobre os entes criados, presentes no mundo sensível, mas olha para o seu interior, para refletir sobre a privação da memória que é o esquecimento.
O que seria o esquecimento? A recordação de algo que está ausente? Mas se é possível recordar do que se esqueceu, como atribuir a isso esquecimento? Se se recorda de algo, há a presença de algo, mas de que? da imagem do esquecimento? E se há ausência, há ausência de que? Da imagem que se pretende recordar. Se o esquecimento está presente, como é possível que se apresente o objeto que se busca encontrar? “Deveria dizer que aquilo que recordo não está na minha memória, ou que o esquecimento está na minha memória com a finalidade de me fazer esquecer?”
Adentrando na memória encontra várias imagens, é uma faculdade ilimitada, recorda objetos, corpos, belezas naturais, sentimentos e sinais, ela é vastíssima. Até os animais a possuem, embora diferente do homem, mas a possuem, senão como iriam regressar às suas tocas e ninhos? Sem memória não seria possível desenvolver hábitos.
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Como recordar Deus?
Admirado pela grandeza desta faculdade, indaga-se: Deus pode ser encontrado além dela, é preciso ultrapassá-la? Mas, em seguida, conclui que fora dela recai-se no esquecimento. E, assim, como recordar de Deus?
Recorda a passagem bíblica da dracma perdida onde a mulher perde a moeda e se recorda de que a perdeu: estando presente na mente a imagem da moeda e objeto físico, ausente. Quando a encontra, é possível reconhecê-la somente por ter retida na memória a imagem do bem que se procurava.
Quando olhamos uma pessoa e nos esquecemos do nome dela, a memória busca associar algum nome àquela pessoa em um esforço para realizar a vinculação. Olhamos para a pessoa e pensamos em um nome e noutro, indo a procura do nome correto até encontrá-lo, só sendo possível fazê-lo, porque aquele nome vinculado àquela imagem encontra-se em algum lugar da memória. Parece aqui que a memória perde alguma coisa e vai ao encontro.
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