“Fulano(a) é tão virtuoso(a), tem uma vida tão sofrida e cheia de sacrifícios. Beltrano(a) é muito penitente, faz jejuns duas vezes por semana. Ciclano(a) deve agradar muito a Deus, pois ele(a) não tem problemas na vida”. Outro dia fui surpreendido por afirmações como essas, proferidas por pessoas que conversavam próximas a mim, enquanto esperávamos juntos um atendimento médico.
Imediatamente, veio aos meus pensamentos algumas perguntas: “O que significa ser virtuoso? Qual é a penitência e o sacrifício que realmente agrada a Deus? Será mesmo que uma pessoa é virtuosa só por que sofre? Ou ainda essa outra agrada a Deus por isso vive sem problemas e tem boa saúde?” A afirmação da pessoa foi sincera, porém imprecisa sobre o que de fato venha ser uma atitude ou uma pessoa virtuosa. Sofrimentos e alegrias, perdas e ganhos, etc. por si só, não são provas de que a pessoa é boa ou má.
Os pincéis da virtude do amor
Uma pessoa pode estar sofrendo de muitas formas e por muitos motivos. Seu sofrimento será virtuoso, ou não, dependendo do modo como ele(a) o vive. Depende ainda do motivo pelo qual está sofrendo. Há uma virtude, expressa por uma palavrinha pequena, apenas quatro letras, mas tem uma capacidade gigante de purificar e fortalecer todas as nossas motivações, atitudes e até conceitos. Que virtude é essa? O amor.
Os grandes ou pequenos sacrifícios que fazemos assumem um brilho e um entonação nova quando são pintados com os pincéis do amor. Santa Teresinha do Menino Jesus vê nessa palavrinha um resumo da missão da Igreja e de seu itinerário pessoal de vida consagrada. Tanto que, atormentada por sofrimentos comunitários e íntimos, mas submersa no amor, faz essa belíssima declaração:
“Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará”.
Que virtude maravilhosa? Tão profunda, tão bela e essencial, que Deus escolheu como o adjetivo do pobre vocabulário humano que melhor expressa sua perfeita e divina identidade. O amor. Esse dom enriquece de sentido os grandes e pequenos atos de sacrifícios e penitências que fizermos.
Sobre os jejuns e as penitências
Se você tem o habito de jejuar ou realizar outras formas de penitências, assim como o de praticar os mandamentos e as orientações morais da Igreja, ótimo, continue. Porém, nunca coloque outra coisa em suas motivações que não seja um amor sincero a Deus e ao próximo. Leia ainda essas palavras de um profeta do amor de Deus, o apostolo João:
“Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor. Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor é plenamente realizado entre nós. A prova de que permanecemos com ele, e ele conosco, é que ele nos deu o seu Espírito. E nós vimos, e damos testemunho, que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus. E nós conhecemos o amor que Deus tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor, permanece com Deus, e Deus permanece com ele” (1 João 4, 7-16).
O amor e o sacrifício
Viu só! Como podemos ver, na lógica cristã, o amor e o sacrifício são duas palavrinhas inseparáveis. Estão sempre juntas e atuando na vida de um cristão de verdade. Pare um instante, faça um sincero exame de consciência, se pergunte: “Como desenvolver essas e outras virtudes? Que vício ou fraqueza preciso combater? Qual é a penitência que mais me ajudará a desenvolver esses dons?”
Conheço uma pessoa, que gosta muito de comer, tanto que precisou fazer tratamento para emagrecer. Ela começou a fazer um exercício muito virtuoso, na hora do lanche no trabalho, ela se contentava com um suco, ou uma fruta, porém pegava os pedaços de bolo, salgados, etc. disponíveis no lanche do dia e dava ao morador de rua mais próximo. Seu sacrifício e dieta foi potencializado pela virtude do amor e da generosidade.
Conheço outra que tinha fama de carrancuda, séria, introspectiva, ela então resolveu assumir como exercício de penitência o sorrir para os outros, dar bom dia, boa tarde, boa noite, etc. Em pouco tempo, o que parecia ser um sacrifício tornou-se um prazer, tanto que até os seus relacionamentos ganharam qualidade.
Que Deus nos inspire a vivermos sacrifícios de louvor com atitudes de amor, em toda e qualquer circunstância. Que sejamos criativos nesse intento. Concluo essa minha reflexão com um trecho de um salmo, que expressa de modo sucinto, mas profundo, a relação entre amor e sacrifício, Deus abençoe sempre você.
“Escuta, ó meu povo, eu vou falar; ouve, Israel, eu testemunho contra ti: Eu, o Senhor, somente eu, sou o teu Deus! Eu não venho censurar teus sacrifícios, pois sempre estão perante mim teus holocaustos. Imola a Deus um sacrifício de louvor e cumpre os votos que fizeste ao Altíssimo. Quem me oferece um sacrifício de louvor, este sim é que me honra de verdade. A todo homem que procede retamente, eu mostrarei a salvação que vem de Deus” (Salmo 49)
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