No dia 12 deste mês, a Academia de Hollywood realizou a cerimônia do Oscar, no Dolby Theatre, em Los Angeles, com a finalidade de homenagear os melhores atores, técnicos e filmes de 2022. Durante a cerimônia, foram entregues os prêmios da Academia, popularmente conhecidos como Oscar em 23 categorias.
Nada de novo no front
O vencedor do Melhor Filme internacional, melhor fotografia, melhor design de produção, melhor trilha sonora é sobre a jornada do jovem soldado alemão Paul Bäumer (Feliz Kammerer) é a mesma de tantas pessoas fora da ficção. Mesmo que a história seja inteira ambientada na Primeira Guerra Mundial, ainda nos deixamos levar por histórias heroicas de um passado glorioso ou por discursos sedutores que levam muita gente a lutar batalhas vãs e inglórias.
Sem poder avançar por causa do risco de serem massacrados pelas tropas inimigas logo à frente, há pouco o que fazer. Apenas esperar por longos meses por uma mudança que nunca chega e convivendo constantemente com esse fantasma da morte — uma realidade dura que começa a afetá-los psicologicamente. Alguns passam a travar uma luta contra a própria sanidade, enquanto outros veem a própria esperança ou mesmo a humanidade indo embora.
Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
O responsável por levar as categorias de: Melhor Filme, melhor edição, melhor atriz, melhor atriz coadjuvante, melhor ator coadjuvante, melhor direção, melhor roteiro original, narra o amor, e sobretudo o amor materno é a chave para entender a luta travada por Evelyn nessa batalha que acontece em vários universos. Ela precisa dominar o amor. Para levar harmonia ao seu mundo e restaurar os laços com Waymond, que vê beleza e riqueza nas coisas simples da vida, e com sua filha problemática Joy.
Seria belo e comovente, porém existem camadas de mundanismo presentes nessa obra. Determinar a qualidade do filme apenas por seus aspectos técnicos seria mera ingenuidade. Várias cenas e diálogos entre personagens tiram o brilho das atuações e da própria linha narrativa criada para a história do filme.
Passando por grandes metáforas vividas no plano familiar e com um aspecto niilista, a recorrente preocupação com a temática do multiverso retorna nesse enredo, e sua mensagem final é alarmante: não importa o que aconteça, todos caminhamos para o vazio existencial. Dessa forma, todo conceito sobre moralidade deixa de existir e qualquer forma de felicidade e amor é válida. É um filme perigoso em várias escalas, e que exige uma reflexão mais aprofundada sobre a família e os valores morais.
Top gun: Maverick
O filme levou estatueta como Melhor som, é a história do grande crescimento de Maverick se dá a partir do momento que ele faz as pazes com o passado e aprende a partilhar seu conhecimento instintivo. Não há mais espaço para uma vida individualista e cruel. É um filme de ação mas também um filme sobre mortalidade, masculinidade e como envelhecer bem.
A princípio, a premissa da história é simples e agrada, porém a complexidade entra com o desenvolvimento de temas específicos. O primeiro está em como fazer um filme que aborde a masculinidade sem ser machista. A solução está no roteiro, onde não há preocupação em agradar determinados públicos, nem dar recados de tom político e social. Apenas continua-se onde o filme parou em 1986.
Nem todo filme precisa mudar a história da arte, ou sofrer pela ansiedade de virar um épico. Não é um remake, não é um reboot, apenas uma simples continuação. É a resolução de uma boa história amarrando pontas soltas, celebrando o passado, sua importância e a necessidade de seguir adiante. É Pete “Maverick” Mitchel passando o bastão e voando rumo ao sol poente no P-51 da II Guerra Mundial e sim, o avião pertence a Tom Cruise e é pilotado por ele no filme.
Pantera negra: Wakanda para sempre
Vencedor do Melhor figurino, a produção é sobre a superação do luto e a construção de uma líder em potencial fazem com que Pantera Negra 2 seja um dos filmes mais comentados da Marvel nos últimos tempos. Shuri aos poucos vai redescobrindo a fé de seu povo e a fé em si mesma para abraçar uma missão passada de geração em geração.
Apesar de buscar soluções para a fase 4 da Marvel, Pantera Negra 2 não consegue ter o mesmo impacto do primeiro longa, tanto pela ausência mais que sentida de Chadwick. Boseman quanto pelo seu tom empoderador ao longo de toda trama. Com soluções rápidas para os personagens e roteiro enfraquecido por vários problemas, teve que se contentar apenas com o prêmio de melhor figurino.
A baleia
O trama ganhou nas categoria de Melhor Ator, Melhor Cabelo e maquiagem, conta a hiustória de Charlie (Brendan Fraser), um professor recluso que passa os dias em seu apartamento, mentindo para seus alunos para esconder sua obesidade além de outros traumas. Quando seu coração começa a dar sinais de falência e ele insiste em não ir a um hospital, começa uma jornada improvável para se reconectar com a distante filha adolescente para uma última chance de redenção.
A grande questão aqui é: será que o longa faz um bom serviço, conscientizando sobra a realidade da obesidade mórbida, ou será que só reforça o preconceito com pessoas acima do peso? Este é um ponto de extrema relevância do filme, que mostra que a obesidade é uma doença, não só fruto de uma má alimentação como muitos acreditam, mas também o resultado de problemas emocionais e psicológicos não resolvidos, uma compulsão alimentar desenfreada, cuja espiral leva a pessoa a um caminho de questionamentos dolorosos sobre suas escolhas e a desistência de quem ela é. É impactante e em muitos momentos bem desconfortável.
Avatar: O caminho da água
O filme venceu como Melhores efeitos visuais. Depois de 10 anos o diretor James Cameron lança Avatar 2, que teve a pré estreia em dezembro de 2022 no Brasil, retratando uma experiência mais profunda, uma imersão no mundo de Pandora e também explorando novos personagens. Num primeiro momento, é possível observar uma ligação mais forte com a natureza, mesmo nas extremas limitações do povo de Na’vi, que ainda sofriam perseguições pelos humanos.
Leia também: Os Na’vi e os valores da família Cristã
Paternidade, coragem, amor à família e a busca do bem feito ao próximo fazem de Avatar 2 um filme que vai muito além de sua beleza estética. Apresenta valores universais caros aos seres humanos. Cheio de referências ao catolicismo surpreende com a interação entre a família Sully e a natureza de Pandora, numa espécie de celebração da vida e de tudo o que verdadeiramente importa.
Pinóquio, de Guillermo Del Toro
Para além do contexto social-político, uma grata e chamativa peculiaridade do filme, ganhou com Melhor Animação de longa metragem, além da realização em stop motion, é a introdução da religião. Gepeto é um devoto cristão, que dorme com uma cruz em cima de sua cama. Todavia, depois da morte de filho, ele se torna descrente, questionando sua própria fé. Consequentemente, essa esfera é responsável pelas cenas mais intensas, ainda que inocentes, da narrativa. Em uma delas, Pinóquio, depois de já ter sido humilhado pela população, olha para a cruz, agora
Finalizada por Gepeto, e pergunta o porquê de odiarem ele e amarem Jesus se ambos são feitos da madeira. Por fim, outro ponto é quando Pinóquio é crucificado e as referências são totalmente inegáveis.
Confira: Pinóquio e a jornada da aceitação
Dessa forma, o longa é mais sombrio por explicitar que, com a vinda de uma “vida e corpo de verdade”, o garoto consequentemente estaria abraçando sua morte. Ou seja, se ele passou sua vida inteira correndo e desejando por uma vida que ele tinha como “vida de verdade”, no final, ele também estaria caminhando em direção ao fim dela.
A nova versão desse filme da Disney apresenta um belo caminho de reflexão quaresmal e propõe a reflexão sobre o viver, o fazer e o morrer. Além de propor uma renovação da consciência sobre o que, de fato, tem importância na dinâmica do existir. Um filme único que consegue desafiar o expectador mais do que muitas outras adaptações passadas.
Entre mulheres
O filme levou a categoria de Melhor roteiro adaptado, abre um grande debate sobre a decisão a ser tomada por mulheres que sofrem a violência no seu cotidiano. Na sua realidade particular, une personalidades distintas, de distintas gerações, cada uma com sua especificidade e contextos. São verdades e experiências de vida que se confrontam em um debate sobre que caminho tomar, quando somente a fé não é suficiente para superar seus problemas.
Boa parte da ação do filme se passa dentro de um celeiro, onde mulheres da comunidade se refugiam para decidir o seu futuro. Contam com a presença, e o apoio, de um único homem, August, professor da colônia, que apenas dá aula para os meninos – as mulheres no entanto, são condenadas ao analfabetismo. Os pais de August abandonaram a comunidade no passado, por não aceitarem a rigidez de seus valores, mas o rapaz decide retornar movido por seu amor por Ona, uma jovem que não suporta mais a ideia de seguir se submetendo a uma ordem social dentro da qual não tem direito à voz.
Inspirador, potente e muito pertinente, ainda que se passe dentro de uma comunidade isolada do mundo, Entre Mulheres discute temas referentes à condição feminina de hoje e sempre. Fala de violência doméstica, psicológica, física e sexual e as consequências geradas pelo medo da denúncia dos abusos contra as mulheres.
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