Lembro como se fosse ontem… Há alguns anos, certo dia, a minha vida foi transformada por Deus, graças a uma oração de intercessão. Foi um dia feliz, mas que não começou tão feliz.
Sábado, 30 de abril de 2011, acordei sozinho em casa. Estava ainda afetado pelos eventos do dia anterior, que envolviam consumo excessivo de bebida e drogas. No entanto, o que mais me abalou foi a briga que tive com o meu pai por me ver naquele estado deplorável. Ele estava decepcionado, porque fazia três anos que eu (e consequentemente toda a minha família) estava em tratamento de reabilitação por dependência química do álcool e uso de drogas sem conseguir dar passos.
O consumo me dominava
Era escravo de uma ilusão que me fazia acreditar que a felicidade era o prazer e que a liberdade era fazer apenas aquilo que eu queria, quando queria, do jeito que eu queria. Não percebia que estava jogando a minha vida no lixo, que me expunha constantemente à humilhação, ao perigo e até à morte.
As experiências negativas que vivia pareciam ser um mero custo a pagar por “ser feliz” e não consequências negativas pelas más escolhas que fazia. Não me conhecia, não me percebia, não tinha domínio de mim mesmo. Obedecia ao que meus sentidos ordenavam, de modo que, quando me chamavam para beber, não conseguia dizer “não”, e, uma vez que estava bebendo, não conseguia parar.
Meus pais se encontravam sem saber o que fazer e estavam à beira do desespero, uma vez que, apesar de todos os altos gastos (financeiros, emocionais, de tempo, etc.), eu não conseguia deixar os meus vícios.
Comecei a perceber a dura verdade
Como disse, no sábado, 30 de abril de 2011, acordei sozinho em casa. Meus pais não estavam e eu fiquei só. Pela primeira vez, comecei a refletir sobre a minha vida. Ao repassar nos meus pensamentos as inúmeras experiências que estavam guardadas na minha memória às quais havia me submetido, por conta do consumo de drogas, comecei a perceber a dura verdade.
Lembrei a primeira vez que fugi de casa, privando-me de um amor que nunca me fora negado; lembrei a primeira vez que apanhei da polícia por distúrbio e destruição da propriedade pública e privada; a primeira vez que dormi na rua, apenas por vergonha de voltar ao lar; a primeira vez que acordei em casa de pessoas que não conhecia, expondo-me a perigos os quais aparentava não temer; lembrei quando fui expulso do colégio, e como foi difícil, mesmo não faltando-me as capacidades, terminar o ensino médio; lembrei as vezes que roubei sem necessidade, e quando vendi maconha aos meus colegas; lembrei quando quase queimei a minha casa, evento que me levou, com dezessete anos, ao centro de reabilitação, sendo diagnosticado como alcoólatra.
Parecia óbvio que o caminho que escolhera não era o melhor. Porém, até esse dia, mesmo tendo ouvido de muitas pessoas (família, amigos, médicos, professores, até companheiros de farra), não conseguia enxergar a verdade. Naquele dia, de forma singela, silenciosa e simples, descobri que eu não era feliz. Não apenas isso: descobri também que eu queria ser feliz, e sentia que tinha direito a ser feliz.
Quando meus pais voltaram à noite neste mesmo dia, comuniquei-lhes que havia tomado uma decisão: não beber nunca mais. Eles não podiam acreditar. Parecia que havia realmente acontecido um milagre, uma mudança radical dentro de mim. Ali nos abraçamos, conversamos e eu lhes pedi perdão.
O milagre por meio da intercessão
Mais tarde, soube que esse dia, sábado, 30 de abril de 2011, acordei sozinho, porque meus pais tinham saído para um evento da Comunidade Católica Shalom e estavam, com a Comunidade, rezando por mim. Rezaram o Terço da Divina Misericórdia, colocaram a minha vida na intenção da Santa Missa e, quando voltaram para casa, Deus tinha feito o milagre.
Esse sábado eram as vésperas do domingo da Oitava da Páscoa, em que a Igreja celebra a Festa da Divina Misericórdia, como o próprio Jesus assim o desejara. No dia seguinte, 1° de maio, seria celebrada a beatificação de João Paulo II, hoje São João Paulo II. O Evangelho da festa é João 20,19ss, que narra a aparição do Ressuscitado que passou pela Cruz aos Seus discípulos.
Foi assim que o Senhor fez na minha vida: mesmo estando com as portas fechadas (cf. Jo 20,19), Ele, a Verdade (cf. Jo 14,6), se pôs no centro e me mostrou as Suas chagas (cf. Jo 20,20), que não eram senão as minhas, pois foram os meus pecados que Ele assumiu para si (cf. 1Pd 2,24; 2Cor 5,21) no Mistério da Sua dolorosa Paixão. Soprou o Espírito Santo (cf. Jo 20,22), o mesmo que tinha recebido no meu Batismo, e Este agiu na minha inteligência, convencendo-me a respeito da verdade (cf. Jo 16,13). Considero esse dia como a minha primeira efusão no Espírito Santo.
Depois disso, a minha vida mudou
Nos meses subsequentes, conheci a Jesus Cristo e apaixonei-me perdidamente por Ele. Descobri que a felicidade que tanto procurava era Ele. No caminho, senti o chamado de Deus a segui-Lo através de uma consagração de vida. Após um ano de discernimento vocacional e um ano de experiência missionária no Uruguai, na Oitava de Páscoa, Festa da Divina Misericórdia do ano de 2013, fui enviado ao meu postulantado como Comunidade de Vida da Comunidade Católica Shalom, dia da canonização de São João Paulo II.
Em 2016, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Cracóvia (terra onde se encontra o Santuário da Divina Misericórdia e a imagem milagrosa de Jesus Misericordioso), fui convidado para rezar um mistério do terço da Divina Misericórdia, no palco central, antes da chegada do Papa com os jovens do mundo inteiro. A mesma oração que meus pais fizeram por mim, alguns anos antes, agora eu a estava fazendo pelos jovens e com os jovens do mundo inteiro!
Na Oitava de Páscoa, Festa da Divina Misericórdia, do ano de 2017, na Catedral de Nossa Senhora Aparecida, em Brasília, consagrei a minha vida a Deus, fazendo as minhas promessas no Carisma Shalom, como Comunidade de Vida. No mesmo ano, como Comunidade, peregrinamos a Roma para nos encontrarmos com o Santo Padre, Papa Francisco, e renovar a nossa oferta de vida em ocasião dos 35 anos da Comunidade. Foram escolhidos três jovens para testemunhar e fazer uma pergunta ao Papa. Um desses jovens fui eu.
O encontro com Papa Francisco
No início do seu discurso, o Santo Padre olhou nos meus olhos e disse:
“Juan, (…) recordo-me do trecho do filho que volta para casa. Em Lucas, no capítulo 15, há uma frase que diz que o pai o viu ao longe. Tinha-se afastado de casa alguns anos antes, houve quem o levou a gastar tudo o que possuía. Viu-o ao longe. Isto faz-me pensar que esse pai, todos os dias e talvez a toda hora, subia ao terraço para ver se o filho voltava. Deus é assim conosco, até nos piores momentos de pecado, e também nos momentos difíceis. E o Evangelho prossegue: ‘E o Pai quando o viu ao longe ficou comovido – com esse verbo, que em hebraico significa ‘as suas entranhas mexeram-se’, essas entranhas paternas e maternas de Deus – e saiu a correr para o abraçar’. Esse filho cometeu um dos pecados mais graves, estava na pior situação, e quando disse ‘vou à casa do meu pai’, o pai já estava à espera dele. Isto é misericórdia, nunca desesperar. Além disso, parece que o nosso Deus tem uma predileção especial pelos pecadores, inclusive os de ‘puro-sangue’: espera por eles.”
A sensação que me acompanhou nesse momento é, até hoje, indescritível. Ali, eu não estava só. Comigo estava toda a Comunidade, e, de forma particular, os jovens, especialmente aqueles que, como eu um dia, não conheciam a misericórdia de Deus. Um misto de emoções e lembranças me invadiu, e à medida que o Santo Padre falava de forma tão concreta sobre a misericórdia divina, diversos episódios da minha história vinham à minha memória.
Vi-me representado nesse filho pródigo que voltava para casa, compreendendo que isso não apenas aconteceu uma vez, naquele dia da Misericórdia, mas que até hoje, todos os dias, recebia o abraço do amor de Deus a me acolher novamente. Todavia, renovou a minha esperança em receber aquele abraço eterno que, pela mesma misericórdia que me resgatou e consagrou, receberei quando voltar definitivamente à casa do Pai no céu.
Escrevo estas palavras quase dez anos depois do Dia da Divina Misericórdia. Hoje, sou missionário, consagrado a Deus no Carisma Shalom. Nestes anos, não desprovido de lutas, não tive nenhuma só queda no álcool, e posso dizer que encontrei a felicidade e o sentido da minha vida. E tudo começou pela intercessão! Não imagino como seria a minha vida hoje se naquele dia feliz meus pais não tivessem pedido a Deus, com fé, por mim! O dia da Misericórdia do ano de 2011 não começou tão feliz, mas tornou-se feliz, porque Deus escutou as preces daqueles que pediram confiantes!
Por isso, posso dizer, com toda propriedade, que a oração de intercessão é poderosa e eficaz. Ela é capaz de comover o coração de Deus e obter verdadeiros “resgates impossíveis”.
Aumentai a intercessão
O livro “Aumentai a intercessão” define o que é a intercessão, e nos auxilia também na vivência dela. Que essa leitura possa abrir nossos corações, nossa inteligência e sobretudo despertar o desejo de viver essa graça, essa dinâmica tão antiga e ao mesmo tempo tão atual da nossa vida cristã, da nossa vida como Igreja.