Formação

Série Santas Virgens Mártires: Santa Maria Goretti

A santa da castidade, da juventude, das vítimas de estupro, da pureza de coração e do perdão. É representada segurando lírios, que simbolizam sua pureza, e com vestes brancas, sinal de sua virgindade.

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Um dos aprendizados básicos da fé é que tudo o que Deus criou é bom. Logo no início da Bíblia, no primeiro capítulo do livro do Gênesis, o autor sagrado narra a origem da criação em um texto ritmado, quase como um cântico e, no final de cada dia, diz que Deus contempla o resultado de sua obra e reconhece que é “tov”, termo hebraico que quer dizer belo e bom, e que abrange três sentidos: moral, pois Deus não pode criar nada mal; estético, pois a beleza da criação nos leva a reconhecer a bondade do Criador; e prático, pois cada parte da criação possui um objetivo e responde ao desígnio para a qual foi criada.

Desse modo, a palavra Cosmos, que é o termo empregado para determinar o conjunto das coisas que foram criadas (também chamado de Universo), em sua origem grega (kosmos), pode ser traduzida por beleza, harmonia ou ordem. Por exemplo, o termo cosmético, que deriva de cosmos, se refere a produtos de higiene pessoal utilizados para a manutenção e para o embelezamento do corpo. Por sua vez, o contrário de cosmos é o caos, um estado de completa desordem no qual a beleza e a harmonia não existem. Quando percebemos que uma situação está confusa ou uma casa está desarrumada, costumamos dizer que está caótica.

Como parte da criação divina, o homem é um ser essencialmente bom e belo. E mais que isso: foi criado à imagem e semelhança de Deus, em Jesus Cristo. Foi também a única criatura querida pelo Criador por si mesma e desde sua concepção, destinada à felicidade eterna. Entretanto, tal imagem foi deformada no homem pelo advento do primeiro pecado, que trouxe ao mundo a desordem, quebrando a harmonia inicialmente instituída pelo Senhor. Por isso, podemos dizer que o pecado gera no ser humano um estado caótico, desordenado e, seguindo o raciocínio inicial deste texto, feio. Tal “feiura” que o pecado causa abrange os aspectos moral, estético e prático.

Em contrapartida, também podemos afirmar que, em Jesus Cristo, a imagem divina no homem foi restaurada e enriquecida pela graça de Deus (cf. CIC §1701). Portanto, quanto mais nos assemelhamos a Jesus, mais belos nos tornamos e quanto mais nos afastamos Dele, mais a nossa vida se torna um verdadeiro caos.

Talvez essas definições que acabamos de apresentar estejam muito claras para você que lê este texto nesse momento, entretanto, não podemos nos esquecer de que a humanidade tem passado por um grande processo de relativização que, em suma, busca deturpar conceitos, menosprezar aquilo que é eterno e colocar os desejos e prazeres imediatos acima do objetivo fundamental da vida humana e do desígnio para que foi criada: o encontro definitivo com Deus, seu Criador.

Nesse processo de relativização, a mais alta dignidade humana é esquecida e a beleza para a qual foi criada é obscurecida pelas manchas do pecado, definido pelo Catecismo como um ato contrário ao amor divino e uma ofensa a Deus (cf. CIC §1850). De fato, se pensarmos na perfeição das belas pinturas de Rafael Sânzio ou Michelangelo, um ato de vandalismo contra tais obras de arte certamente ofenderia indiretamente os seus criadores. Imaginemos, então, o que não faz o pecado, ato que atinge diretamente a vida humana, que é a obra prima do Criador?

Ao ler essa comparação, talvez você tenha pensado: “só um louco, alguém sem noção do que é a verdadeira beleza, tentaria destruir uma pintura como ‘O casamento da Virgem’ ou os afrescos da Capela Sistina”. Da mesma forma, não deveríamos pensar: “só um louco, alguém sem noção do que é a verdadeira beleza, tentaria destruir através do pecado a obra prima da criação de Deus”? Ocorre que o pecado, de fato, é uma loucura que nos faz destruir não somente a beleza que há em nós mesmos, mas, muitas vezes, a beleza que existe no outro. E, de todas essas belezas, não há uma maior do que a que é guardada pela castidade e pelo pudor: a pureza.

Desse modo, contaremos hoje a história de uma virgem mártir não dos primeiros séculos da Igreja, mas que nasceu no final do século XIX, marcado por intensos avanços e descobertas científicas, mas também por várias ideologias como o idealismo alemão, o marxismo e o humanismo, cujas mentalidades errôneas serviram de alicerce para o cenário relativista que hoje obscurece o entendimento do homem sobre Deus e, em consequência, sobre si mesmo.

Maria Goretti nasceu no pequeno povoado italiano de Corinaldo em 16 de outubro de 1890 e logo migrou com sua família para uma lavoura da região de Pontina, pois seus pais precisavam de um trabalho para sustentar os seis filhos. A menina, sempre piedosa, generosa e de uma pureza de coração notável, auxiliava nos trabalhos domésticos e cuidava dos irmãos menores enquanto sua mãe e seu pai trabalhavam no campo. Todavia, no ano de 1900, seu pai faleceu em decorrência da malária e sua mãe precisou associar-se à família Serenelli devido às péssimas condições financeiras em que se encontrava. Assim, as duas famílias passaram a morar no mesmo local.

Mesmo em meio às durezas de seu cotidiano, Maria não desistia da oração e desejava cada vez mais se unir ao Senhor, até que realizou sua Primeira Comunhão em 1902, aos onze anos. Ela percorria vários quilômetros a pé para participar da missa dominical em um distrito distante de sua casa. Nessa mesma época, a adolescente já havia se desenvolvido fisicamente e sua beleza começou a despertar os desejos de Alessandro Serenelli, um dos filhos da família que havia acolhido Maria, sua mãe e seus irmãos. Ele tentou seduzi-la em várias ocasiões, todavia, a jovem sempre resistia, alegando que era uma atitude que desagradava a Deus. Para que não fosse descoberto, ele ameaçava-a de morte, caso se queixasse do seu comportamento para alguém.

Por fim, no dia 05 de julho de 1902, quando a família de Alessandro e a mãe de Maria foram para a lavoura, o jovem tentou mais uma vez persuadi-la, entretanto, ela dizia: “Não! Deus não quer. É pecado. Você vai para o inferno!” Ele, enfurecido pela resistência de Maria Goretti, feriu-a com várias punhaladas. A garota foi levada ao hospital e ainda resistiu até o dia seguinte, tendo a oportunidade de dizer à sua mãe que havia perdoado Alessandro e que desejava encontrá-lo no céu. Ele, por sua vez, foi preso, converteu-se em 1910 e foi solto em 1928, ocasião em que pediu perdão a Assunta Goretti, durante uma celebração eucarística. Os dois acompanharam juntos a cerimônia de canonização de Maria Goretti em 1950, que tornou-se padroeira da castidade, da pureza de coração e do perdão. Ela é também, até hoje, a santa mais jovem da Igreja, pois sofreu o martírio aos onze anos.

Maria Goretti não chegou a ter contato com as ideologias que circundavam a Europa de seu tempo, entretanto, sofreu em sua pele as consequências das desordens vividas por Alessandro, que se deixou levar loucamente por seus maus desejos, que expressam bem o que tais ideologias pregavam: o egoísmo, o imediatismo, o hedonismo, a indiferença ao sofrimento do outro e a falta de temor de Deus.

Olhando para a vida desses dois jovens, fica muito evidente a grande diferença que há entre a beleza expressa pela castidade e a feiura de uma vida desfigurada por uma grande desordem interior. Neste caso, é bem fácil nos horrorizar com a loucura de um comportamento pecaminoso que teve como intuito violentar uma adolescente e, como consequência, o seu assassinato. Todavia, se pudéssemos ver com os olhos espirituais as deformidades causadas pelos pecados que cometemos em nosso dia a dia e o estado lastimável de uma alma que se acostuma ao mal, como foi concedido por Deus a alguns místicos e santos enxergarem, rapidamente cairíamos em nós mesmos e buscaríamos de todos os modos evitar o pecado, a fim de refletir a beleza que resplandece de uma alma que deseja, em tudo, agradar o Senhor, por meio de uma vida pura. Neste caso, auxiliado pelo perdão recebido por sua vítima, Alessandro pôde experimentar o favor divino e felizmente teve sua alma libertada de tão mal estado de existência.

De fato, sabemos que para o mal do pecado, não há outro remédio que a graça de Deus derramada em profusão através do sacrifício pascal de Jesus, nosso Salvador. Mas, como disse Santo Agostinho: “Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós”. E isso significa que, para acolher a graça da santificação, precisamos fazer a nossa parte: abrir o nosso coração à ação divina e suplicar que Sua misericórdia nos perdoe e nos faça perseverar diante das tentações. Assim, a cada combate vencido, poderemos contemplar mais e mais a beleza e a bondade divina resplandecer em nós, pois a graça nos assemelhará cada vez mais a Jesus Cristo, até que, um dia, tendo cumprido plenamente os desígnios para os quais fomos criados, nos uniremos em definitivo com o Senhor e entoaremos juntos o Seu divino canto que proclama que todas as coisas que Ele cria são tov, belas e boas em sua essência, segundo a benevolência, esplendor e magnanimidade do Seu divino coração.

Que Santa Maria Goretti interceda por nós e nos auxilie nesta grande obra de beleza e bondade que o Senhor deseja realizar em nossas vidas.

Santa Maria Goretti, rogai por nós!

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