Formação

Árvore da cruz e da felicidade

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obra novaNão me recordo de ter ouvido o Moysés pregar sobre cruz como sinônimo de sofrimento estéril. Para ele, na vida, nos ensinos, pregações e escritos, cruz é sempre sinônimo de amor e felicidade. Amor do Pai, que entregou seu Filho. Amor do Filho que se entregou e entregou o Espírito. Amor das almas esposas que, na vocação, se entregam com e no Esposo pela Igreja e pela humanidade. Amor eucarístico de entrega diária e ilimitada de amor ao irmão. Amor missionário de entrega diária e definitiva de amor aos que não conhecem a Deus ou estão afastados Dele e que são, portanto, vítimas da pior das pobrezas.

Quando, no Obra Nova, descreve o caminho “de e para a felicidade” diz que ele “é como o caminho de Jesus: exige coragem, sacrifício, renúncia”, é “caminho de cruz”, de felicidade, de barreiras, de dificuldades, sofrimento feliz e fecundo. Desta Cruz, que transforma em Árvore, colhe-se o fruto diário da Ressurreição. Assim, com “R” maiúsculo, para indicar que é nossa ressurreição na Ressurreição de Cristo, a ressurreição prometida como fruto da Eucaristia (10), como me explicou na época, ao ser perguntado do porquê da letra maiúscula.

O “sofrimento” que experimentamos como resultado de nossas renúncias por amor, explica o Moysés, não vem da cruz, nem da renúncia em si, mas de nossa carne “que range porque não quer ser contrariada”(11). A alegria que experimentamos como resultado dessas mesmas renúncias de amor é a alegria da Ressurreição, fruto da Cruz. É fruto da luta de amor dos violentos de que nos vai falar no parágrafo 3.

A Cruz é, desta forma, não um sinal, mas um local. Um campo de batalha onde se trava o combate pelo amor e contra o pecado, confiantes na sua força sobrenatural, advinda do Esposo Guerreiro que neste mesmo local travou sua luta contra o pecado e o venceu pela entrega de amor.

Esta Cruz, e a dinâmica de vida que ela esconde, é a única felicidade verdadeira: a da morte por amor. É este o grande escândalo que o mundo precisa contemplar nas nossas vidas. É esta a única violência que liberta, a única morte que é dinâmica de vida. É este o nosso caminho!
Cruz Árvore

Raniero Cantalamessa, ecoando os Padres da Igreja, percorre em sua meditação o uso bíblico do arquétipo da árvore, que atravessa toda a história da salvação. No Antigo Testamento, está presente como figura no Jardim do Éden como árvore da vida e árvore do conhecimento do bem e do mal, “diante da qual se consuma a rebelião; no Deuteronômio, onde significa maldição (12); na madeira da Arca de Noé; no bastão com o qual Moisés golpeou as águas do Mar Vermelho e no arbusto com que transformou em água potável as salobras águas de Mara”(13).

Há ainda as árvores de Ezequiel, a dar frutos e folhas medicinais durante todo o ano às margens do rio que jorra do Templo; as figueiras dos Evangelhos; as árvores da Nova Jerusalém, todas figuras da Cruz e de nossa reação a seu convite ao amor.
Cantalamessa refere-se à Cruz de Jesus, agora não mais figura, mas acontecimento, e à Cruz da Eucaristia e da Liturgia como sacramento e mistério (14).

Este extraordinário pregador, tão próximo à nossa comunidade e a quem tanto devemos, continua a nos ensinar sobre a Cruz como árvore e aproxima-se bastante de nossa vocação ao contemplá-la à luz da ressurreição.

“Que representa a árvore da cruz na vida de Jesus, ou seja, não mais em figura, mas como uma realidade histórica? Representa o instrumento de sua condenação, de sua total destruição como homem, o ponto mais baixo de sua kénosis. (…) E o que representa a cruz à luz da ressurreição? (…) É o lugar (…) onde o novo Adão disse sim a Deus por todos e para sempre. Onde o novo Moisés, com o madeiro, abriu o novo Mar Vermelho e, com sua obediência, transformou as águas amargas da rebelião nas águas doces da graça e do batismo. Onde “Cristo nos resgatou da maldição da lei fazendo-se por nós maldito” (Gl 3,13). A cruz é força de Deus e sabedoria de Deus (I Cor 1,24) É a nova árvore da vida plantada no meio da praça da cidade (cf. Ap 22,2).

(…)  [Na cruz] Deus venceu definitivamente o mal, sem destruir com ele a liberdade que o produziu. (…) Na cruz, Jesus “queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade, nova pelo restabelecimento da paz (…) aniquilando na cruz a inimizade” (cf. Ef 2,15s). Cristo, na cruz, aniquilou a inimizade, não o inimigo (15)”

Em nosso Escrito, esta Árvore, que nasce como caminho às margens dos arroios e das águas do deserto, dá um fruto com múltiplos significados: a Ressurreição.

Como as árvores de Ezequiel e do Apocalipse, esse fruto é perene e pode ser colhido a cada dia, a cada vez que lutamos a luta pelo amor, pela caridade, no campo de guerra contra nós próprios que é a cruz e vencemos com a força do Ressuscitado que pela Cruz passou.

Como no episódio de Mara, torna, com seu amor, doce e frutífera a de outra forma amarga e desafiante vida comunitária e demais relacionamentos humanos.

Como a Nova Árvore do Bem e do Mal, dá-nos a possibilidade de um desfecho oposto ao “não a Deus e sim ao pecado” dos nossos primeiros pais ecoado pelos quatro cantos do mundo de hoje. Por sua força e em união com o Ressuscitado que por ela passou, podemos, no uso de nossa liberdade e inflamados de amor por Ele, dizer “sim a Deus e não ao pecado”.

Como a árvore do sacramento e mistério eucarístico, une-nos ao Ressuscitado e nos dá, Nele, a vitória sobre o pecado, o velho que nos habita, alimentando-nos pela Ressurreição de cada dia, para o restante do nosso caminho(16).

O Obra Nova traz a árvore da cruz para dentro das casas comunitárias, das famílias, das células comunitárias, do trabalho, do relacionamento, do comportamento de cada dia, do apostolado, da missão. Toda morte a si mesmo por amor, segredo para passar, com o Ressuscitado, por Sua Cruz, traz, indefectivelmente, a cada dia, a Ressurreição. Cantalamessa nos diz, com razão, que, à luz da ressurreição, a cruz é o lugar em que o Novo Adão diz “sim” a Deus para sempre. Nosso fundador nos diz, também com razão que, à luz do Ressuscitado que por ela passou, a cruz é o lugar de luta das almas esposas, junto ao Esposo, morrendo de amor a Ele e aos irmãos a cada dia para com Ele e Nele colher, diariamente, o fruto deste amor. Que alegria poder celebrar isso em nossas Completas!

(10) Cf. Jo 6,54
(11) O verbo “ranger” aplicado à nossa carne que “grita” e “se rebela” em reação a ter que morrer para si mesma, sua vontade, seu conforto, comodismo, egoísmo, etc., é aplicado pelo Moysés toda vez que fala deste assunto. É uma figura muito exata e muito útil, uma vez que é difícil para a maioria de nós suportar com paciência uma porta rangendo.
(12) Aquele que é pendurado no madeiro é objeto de maldição divina.
(13) Cantalamessa, Raniero, idem, p. 203, 204
(14) Idem, p. 203
(15) Idem, 205
(16) Algo muito importante aqui: nada indica que esta Ressurreição seja um processo paulatino de santificação. Todo o restante do texto, especialmente os parágrafos 2 e 3, a conotação de “poda” mesmo nos galhos verdes e a veemência da linguagem indicam que esta Ressurreição a ser buscada e colhida a cada dia é recebida como fruto pleno, assim como acontece na Eucaristia, embora, evidentemente, dentro das possibilidades do fato de estarmos, ainda, em vida. Nosso sacrifício de amor desabrocha no Fruto do Amor, na  presença do Ressuscitado, não em um somatório de virtudes. Corrobora esta visão a importância da primazia da Graça em nossa vocação, assim como o espírito do fundador para quem as palavras “tudo” e “todo” são sinal de entrega incondicional da esposa ao Esposo, resultado da entrega total, incondicional e primeira Dele a ela (cf. Escrito Amor Esponsal).

Emmir Nogueira
Extraído do livro “Obra Nova, caminho de e para a felicidade”

 

24Um livro sobre a partilha da beleza que é a nossa pobre humanidade, sobre a nossa história. É também um tributo de muito respeito, reverência e imensa gratidão a José e a Maria pelo seu “sim”, que tanto envolveu sua humanidade com todas as consequências de felicidade, sacrifício e santificação.

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